A partir de 19 de Março de 2009, encontra-se nas livrarias do Brasil, um monumental Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP PB), publicado pela Academia Brasileira de Letras (ABL). Este Vocabulário tem 349 737 vocábulos, em 887 páginas e está já adaptado ao novo Acordo Ortográfico, que neste país entrou em vigor no princípio do ano. Repito que, segundo me informaram, este Vocabulário será completo com a prosódia e a ortoépia de alguns vocábulos, a sua classe gramatical, formas irregulares do feminino de substantivos e adjectivos, plurais de nomes compostos, homónimos e parónimos.
Portugal não tem nada equivalente, nem de longe. Foram publicados dois dicionários comerciais para o novo Acordo Ortográfico, com só cerca de um terço das entradas, que não coincidem em todas as soluções que apresentam e não fazem lei na língua.
Ora o Governo português fala em pôr o novo Acordo Ortográfico em vigor ainda neste ano de 2009. Como será depois? Se o Acordo entrar em vigor e sem haver nada que proteja as nossas soluções preferenciais, não vamos mesmo subordinar-nos ao VOLP PB?
Vejamos alguns exemplos deste risco.
O VOLP PB irá adoptar coerdeiro sem h, o que abre um grave precedente de desobediência ao texto do Acordo, onde está taxativamente escrito que se deve escrever co-herdeiro, como sempre se tem escrito em Portugal. A partir de agora, qualquer dos países signatários pode alterar discricionariamente o que foi assinado em 1990.
O VOLP PB irá com toda a probabilidade adoptar hifens (hífenes, em Portugal), escotismo (escutismo, em Portugal), ab-rupto com hífen (abrupto, em Portugal), etc., etc.
Poderão aparecer as soluções portuguesas como duplas grafias, mas no VOLP brasileiro as brasileiras serão naturalmente preferenciais, o que exercerá influência determinante.
E qual vai ser a importância, da prosódia recomendada pelo Brasil, em todos os falantes da língua portuguesa?
Quem defende que não é preciso um Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa do português europeu (VOLP PE), actualizado e adaptado ao novo Acordo Ortográfico, para que o acordo entre em vigor em Portugal, não pondera estes riscos e o facto de que os outros países da lusofonia vão certamente passar a ignorar-nos, nas nossas pretensões de antigos patronos da língua!…
Dado que Portugal tem seis anos para pôr o novo Acordo Ortográfico em vigor, para quê tanta pressa de começar, sem bases de apoio?
Depois dum papel meritório na língua até 1970, parece confirmar-se que a Academia das Ciências de Lisboa não tem presentemente meios de maneira nenhuma satisfatórios para a elaboração dum VOLP PE antes de pormos em vigor o novo Acordo Ortográfico. Então a ideia era constituir, com urgência, uma comissão formada com entidades que tratam da defesa da língua e com experientes lexicógrafos e respeitados lexicólogos. Esta comissão de competências, tomando como base de estudo um vocabulário português idóneo (os completos: da Academia 1940 ou de Rebelo Gonçalves 1966, ou ainda outros válidos) poderia rapidamente elaborar um VOLP PE actualizado para o novo Acordo Ortográfico, certamente então com o apoio da larga maioria da comunidade linguística culta.
Ora consta que já foi apresentado ao Governo português um tal projecto, mas que não teve qualquer seguimento. Porquê?
Há falta de dinheiro? Porque não desviar algum da campanha eleitoral em perspectiva, que os políticos do nosso descontentamento se estão a preparar para fazer nas suas muitas vezes estéreis lutas partidárias? Lutas em parte com dinheiro dos contribuintes, participação que agora até decidiram aumentar?!… Dão a triste impressão de que o país é secundário em relação à conquista do poder e das suas benesses.
Tenho a impressão de que estes governantes portugueses têm o complexo do antinacionalismo, com pânico de que a defesa da nacionalidade lembre o Estado Novo. Confundem política com amor à Pátria. E aos partidos mais à esquerda eu lembro que foram bem nacionalistas os combatentes de Estalinegrado.
Agora os académicos da Galiza acabam de concluir um vocabulário que agrupa o léxico comum a portugueses e galegos, sobretudo da região fronteiriça, servindo assim de apoio para a defesa das suas variantes na língua.
Em Portugal é isto… Fala-se em que iremos caminhar para a elaboração dum Vocabulário Comum, mas nada temos que represente oficialmente a posição de Portugal.
Como tenho dito, defendi tenazmente o novo Acordo Ortográfico, o que se pode observar nos meus artigos em Ciberdúvidas, e agrupados na minha página em "Problemas Ortográficos, Novo Acordo". Agora sinto-me perplexo, com o receio de que, efectivamente, esteja à vista uma mudança com perda da nossa identidade nacional na língua.
Receio bem que acabará por se reunir uma comissão, sim, sob a égide da CPLP… mas unicamente para a elaboração do tal Vocabulário Comum; na qual Portugal "solicitará" aos autores do VOLP brasileiro que façam o favor de adicionar uma ou outra variante europeia, indicada pelos nossos representantes nessa comissão… Preferências depois eventualmente controversas na comunidade linguística portuguesa. Aliás, a Academia Brasileira de Letras anuncia que já escolheu muito bem as variantes portuguesas (pois atendeu ao acordo de 1945) e que não há boas razões para nós não aprovarmos em linhas gerais o seu VOLP. Está bem de ver que viremos dessa comissão com o coerdeiro… e outras soluções que não têm sido as de Portugal…
Que fique bem claro que há soluções brasileiras que eu prefiro, como, por exemplo, as palavras toalete, ou estresse, em vez dos mamarrachos do dicionário da Academia das Ciências de Lisboa: toilete pronunciada tuá, ou o stresse, com um st inicial que nunca houve na língua, servilismo do inglês. Respeito os linguistas brasileiros, e estimo muito o Brasil, porque nos prova, frontal e generosamente, que respeita a língua de Machado de Assis, mas também a de Camões, a sua amada língua portuguesa. Mas sinto que Portugal está a fazer comparativamente uma triste figura na língua comum.
Não há agora vergonha nos responsáveis portugueses, quando se lembra o que faz a França na francofonia e a Espanha na hispanofonia? Além de uns poucos, ninguém se importa mais em defender a nossa história na língua? Não estaremos a dar mesmo razão a quem se opõe ao Acordo?
Que país diferente é este, que não se importa de ir a reboque na língua, numa posição completamente humilhante? Um país que chegou a conseguir que a sua língua fosse franca em grande parte do mundo e ainda em 1940 foi capaz de fazer um vocabulário que constituiu nessa altura a base do vocabulário brasileiro…
Ao que chegámos nós hoje, em Portugal, que deixamos que nos façam isto?