Brasil — Portugal: dois países, dois ritmos de activação do Acordo: um trabalho de Nuno Amaral para o Público.
Dois meses e meio depois da entrada em vigor do Acordo Ortográfico no país, a Academia Brasileira de Letras (ABL) lançou na quinta-feira uma nova edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP), que incorpora as novas regras estabelecidas. O volume de 976 páginas — que contém 350 mil palavras sob forma de lista, por ordem alfabética, incluindo a classificação gramatical de cada uma, além de cerca de 1500 estrangeirismos — é considerado pelo coordenador Evanildo Bechara «a contribuição brasileira para a concretização do sonho da unificação da grafia da língua portuguesa, que já dura há mais de 100 anos».
O presidente da ABL, Cícero Sandroni, destacou a relevância do VOLP para a afirmação, «sem obstáculos», da língua portuguesa no mundo. «Com este lançamento, a língua portuguesa deixa para trás a condição de ser idioma cujo peso cultural e político ainda encontrava, na vigência de dois sistemas ortográficos oficiais, um entrave ao seu prestígio e difusão internacional», salientou.
À celeridade com que o Brasil, o país que a 1 de Janeiro deste ano foi o pioneiro a adoptar as normas do acordo nas instituições oficiais, padroniza as novas regras, contrapõe-se a atitude de Portugal.
Essa "letargia" foi denunciada pelo embaixador da Missão Brasileira junto da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), Lauro Moreira. «É absolutamente decisiva a participação de Portugal, na medida em que, quando nós falámos deste acordo, quando este foi assinado, o que se pretendia era fazer uma unificação das duas vertentes ortográficas da língua portuguesa que tínhamos até então», frisou há uma semana.
Durante a visita oficial a Cabo Verde, o ministro português da Cultura, José António Pinto Ribeiro, voltou a manifestar confiança em que a entrada em vigor do Acordo Ortográfico nas instituições oficiais se vai verificar em Cabo Verde e em Portugal até ao final do primeiro semestre deste ano — o calendário e a tramitação permanecem, no entanto, bastante difusas.
Dúvidas da população
No plano oficial, as novas regras do Acordo Ortográfico já entraram em vigor no Brasil no início do ano. Na prática, o país com 190 milhões de pessoas a falar português não sentiu comoção com as alterações impostas pela nova grafia. À parte os jornais de maior circulação, que já adoptaram as regras, o dia-a-dia do léxico "brasileiro" seguiu ao ritmo habitual. Entre os dois planos e os ténues reflexos no quotidiano há, porém, uma certeza: o Brasil foi o primeiro país da Comunidade de Língua Portuguesa a fazer vigorar o acordo. E o novo paradigma linguístico saltou para a mesa das discussões. «Novas regras?», devolve a pergunta uma transeunte do centro de São Paulo. «Eu só me preocupo com isso quando o Governo as adoptar nos documentos oficiais, aí sim».
«Até ao momento, não houve uma repercussão grande, nem positiva nem negativa A entrada em vigor do acordo não causou qualquer comoção», disse ao Público Ronaldo Lima Lins, director da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O resto, os principais impactes, chegará com o tempo. Apesar da entrada da reforma em vigor, o período de transição para que a população se adapte às mudanças vai até ao fim de 2012 — a partir de 1 de Janeiro seguinte, a nova ortografia será a única considerada correcta. «Até aqui, no plano da teoria, foi tudo muito fácil. Agora, com a prática, é que começarão a surgir os problemas», realçou o director da Faculdade de Letras.
O filólogo Evanildo Bechara, responsável na Academia Brasileira de Letras (ABL) pela aplicação do acordo, desdramatiza o cenário. A interiorização das novas regras será gradual, os brasileiros terão até ao final de 2012 para se adaptar, muito já está a ser feito.
Pelas ruas de São Paulo, as perguntas empurram respostas rápidas. «Pois é, vi na televisão, mas pouco sei sobre isso», responde Adalmiro Mota, bancário.
Há, no entanto, excepções ao comentário fugidio. Filomena Silva sabe do que se fala. «Pois é, eu li. Os acentos vão mudar, o alfabeto passa a ter 26 letras e... ai, o hífen, não é?».
Se em Portugal as novas regras provocam alterações em 1,6 por cento do vocabulário, no Brasil as mudanças atingem apenas 0, 5. De uma só penada, o alfabeto passou a ter 26 letras, ao incorporar as letras k, w e y.
O texto traz alterações significativas na acentuação de algumas palavras, extingue o uso do trema e padroniza a utilização do hífen.
in Público, de 21 de Março de 2009