1. É notícia a segunda visita oficial que os reis de Espanha fazem a Portugal, de 28 a 30 de novembro p. f., muito simbolicamente começando pela região fundadora do país. Com efeito, no primeiro dia, a rainha Letizia e Filipe VI chegam ao Porto, a Cidade Invicta, rumando em seguida até à mítica cidade-berço de Guimarães; a manhã do dia seguinte é novamente passada no Porto, só depois decorrendo o resto do programa a sul, na capital portuguesa. É a altura para lembrar a relação secular de Portugal com o Estado vizinho, onde a hegemonia política do antigo reino de Castela tornou o castelhano conhecido como espanhol, apesar da pujante diversidade linguística dos territórios espanhóis. Mas tal foi a força do castelhano no passado, que chegou a ser língua de corte na Lisboa do século XVI1 e veículo de cultura até aos princípios do século XVIII. Não admira, portanto, que o português guarde sobretudo desses tempos muitos castelhanismos, como os substantivos cavalheiro, mantilha, botija, ou o do adjetivo castiço, entre uma imensidade de outros, como confirma a leitura de textos do arquivo do Ciberdúvidas: "Castelhanismos, mais anglicismos e um atlas linguístico para Angola", "A praga dos vocábulos estrangeiros que não sabemos usar. Está Portugal perdido na tradução?", "O significado do provérbio 'De Espanha, nem bom vento, nem bom casamento'", "Trindade em português, trinidad em castelhano", "Espanha e Allende", "A pronúncia de Estremoz (Portugal) e Badajoz (Espanha)", "O desde em espanhol e o de em português", "O português como língua de Camões é um mito".
1A rainha e imperatriz Isabel de Portugal (1503-1539), princesa portuguesa, porque filha de D. Manuel I (1469-1921), chega a ser dada como responsável pela espanholização do seu marido, o rei Carlos I de Espanha, também conhecido como Carlos V, imperador do Sacro Império Romano-Germânico. Recorde-se que Carlos V e Isabel de Portugal eram os pais de Filipe II de Espanha, que veio a ser rei de Portugal de 1580 até à sua morte em 1598. Na imagem, um célebre retrato do casal imperial na cópia que Rubens (1577-1640) fez de um original perdido de Ticiano (1477/1490-1576).
2. Continuando em Portugal, o incremento do turismo afigura-se como saída possível da crise financeira e económica. Nas grandes cidades, tem aumentado a oferta recreativa e cultural, enquanto se repetem as iniciativas de renovação das áreas históricas. No entanto, a recuperação tem o seu reverso: os bairros populares – por exemplo, os de Alfama ou da Mouraria, em Lisboa – tornam-se mais elegantes e também mais caros, o que faz com que a população tradicional aí residente acabe por sair em busca de habitação na periferia da cidade. É este o cenário do uso dos neologismos turistificação e gentrificação, em foco nesta atualização do consultório. Mas há ainda mais dúvidas: qual é o adjetivo que se relaciona com o filósofo Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)? Qual o plural do substantivo ganha-pão? Uma última resposta evidencia a legitimidade da locução preposicional «em meio a», característica da norma do Brasil.