DÚVIDAS

A propósito do uso do modo conjuntivo

Parece-me haver uma tendência para deixar de usar o modo conjuntivo, o que seria um empobrecimento para a nossa língua (talvez pior do que a vossa chamada de atenção para a falta de acentuação e má pronúncia na primeira pessoa do plural do pretério perfeito simples). Já tenho chamado a atenção de amigos para tal facto, mas dizem que não notam.

Será real o facto que refiro?

Alguns exemplos:

a) «Mas a ERSE admite que esse estudo [ou outra coisa qualquer] pode aumentar os custos...»;

b) relações de igualdade (entre europeus e africanos) não quer dizer que as contribuições de cada um podem ser iguais...» (a propósito da cimeira UE-África);

c) «Agora, o que é irónico é que este "falso" plural é também designado nos prontuários por "plural de modéstia" — o que prova que nem a terminologia gramatical é imune a manipulações ideológicas» (Vossa pelourinho Nós, vós, ele e artigo publicado no semanário Sol, de 29 de Dezembro de 2007).

Então, não deveria ser "possa", "possam" (aliás, "tenham") e "seja", respectivamente?

Obrigado.

Resposta

1. Em todos os exemplos dados para análise, temos orações subordinadas completivas.

As completivas — diferentemente das orações designadas por orações adverbiais (causais, temporais, finais, etc.) — cumprem uma função sintáctica — complemento ou sujeito — relativamente à subordinante.

A selecção do modo da completiva depende das propriedades do verbo da subordinante. É seleccionado o modo indicativo quando o verbo da subordinante:

(i) designa um acontecer (ocorrer, suceder, etc.);

(ii) corresponde a um verbo epistémico (achar, acreditar, considerar, pensar, saber, supor, etc.);

(iii) corresponde a um verbo declarativo ou de inquirição (afirmar, concluir, dizer, pedir, perguntar, etc.);

(iv) corresponde a um verbo perceptivo (ouvir, sentir, ver, etc.).1

Assim, o modo da completiva do exemplo a) é o indicativo, atendendo ao que é dito em (ii).

2. A presença da negação e de verbo epistémico na subordinante determina como obrigatório o uso do conjuntivo na completiva.

No exemplo b), querer dizer é um complexo verbal que pode ser interpretado como tendo valor epistémico (equivalente a faz supor, leva a pensar); o modo a figurar na completiva é o modo conjuntivo.

3. Quando a completiva é seleccionada como sujeito, não pelo verbo mas por um adjectivo («É surpreendente que...»; «É admirável que...»), o verbo da completiva deve estar no conjuntivo. É o caso do exemplo c).

Porém, a estrutura clivada da subordinante («o que é irónico é que este "falso" plural...») confere um grau considerável de assertividade ao conteúdo proposicional da completiva, pelo que é de admitir igualmente o uso de indicativo.

1DUARTE, Inês, 2003 — "Subordinação completiva — as orações completivas" in Mateus et al. Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Caminho: 599-605.

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