O declínio melancólico do ponto e vírgula - Diversidades - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
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O declínio melancólico do ponto e vírgula
O declínio melancólico do ponto e vírgula
Um sinal de pontuação que rareia na ficção britânica

  «(...) [O] fim do ponto e vírgula, juntamente com a redução da extensão das frases nos romances, é reflexo de uma sociedade viciada nas redes sociais

 

O ponto e vírgula é um profundo mistério público; o único sinal de pontuação que une com regularidade leitores e escritores na mais profunda aversão. É chegada, portanto, a hora de festejar, porque em novembro de 2021 um grupo de investigadores da Universidade de Lancaster anunciou que o uso do ponto e vírgula está a tornar-se mais raro na ficção britânica, tendo caído 25% ao longo dos últimos 30 anos.

Em 2017, o escritor Ben Blatt descobriu que o uso do ponto e vírgula diminuiu cerca de 70% de 1800 para 2000. Certamente que os fantasmas de vários autores estão agora a sentir-se felizes. Escritores como George Orwell, que chamou aos pontos e vírgulas «uma paragem desnecessária». Ou Edgar Allan Poe, que preferiu o travessão. Ou Kurt Vonnegut, que deixou o famoso conselho contra a sua utilização, dizendo: «Tudo o que eles fazem é mostrar que já estiveste na faculdade.» O símbolo enfrenta o mesmo destino melancólico que o dodó (a ave), o dinossauro e a União Soviética: a extinção.

Quando o ponto e vírgula apareceu pela primeira vez na obra do estudioso e impressor renascentista Aldus Pius Manutius [ou Aldo Manúcio], num livro que descreve uma subida ao cume do monte Etna, era um sinal híbrido, situado entre a vírgula e os dois pontos. A sua função era prolongar uma pausa, ou criar uma separação mais clara entre as orações de uma frase.

Entretanto, nada mudou; os pontos e vírgulas continuam a ter exatamente a função que Manutius definiu em 1494. O seu declínio na ficção e a suspeita que envolve a sua utilização na comunicação quotidiana dão-nos uma imagem dos tempos em que vivemos.

Os linguistas de Lancaster acreditam que o fim do ponto e vírgula, juntamente com a redução da extensão das frases nos romances, é reflexo de uma sociedade viciada nas redes sociais. A mudança, observou Justin Tonra da Universidade de Galway, faz parte de uma «forma mais realista» de escrever para a era moderna.

Estes linguistas podem estar certos. O ponto e vírgula é um elemento de linguagem que assinala paragens, pausas, reflexões e até intervalos para fumar um cigarro dentro de uma frase. Liga pontas soltas com ideias díspares; o ponto e vírgula permite conciliar duas perspetivas. Contudo, hoje conciliar perspetivas é visto como pouco melhor que hipocrisia, e não como um exercício de arte. O mundo digital agita-se; o Twitter não é uma arena conhecida pela arte da reflexão. Os pontos e vírgulas são, portanto, inutilmente elitistas e cinzentamente indiretos.

Como muitas espécies em extinção, o ponto e vírgula tem sido suplantado por um rival mais violento e adaptável. «Vivemos na Era do Travessão», afirma, de modo certeiro, Cecelia Watson, autora de Semicolon (Ponto e vírgula). O travessão é brutal, pouco simpático, cortante, e impossível de ser confundido – leva-nos, sem hesitações, ao objetivo. O traço não convida à ambiguidade e não perde tempo. É, na pontuação, o equivalente a arrancar o coração de um peito.

Jane Austen, ou Virginia Woolf, é entrar num mundo onde o tempo é abundante. O Dicionário Oxford de Inglês descreve o ponto e vírgula como "sinal que indica uma pausa... mais pronunciada do que a indicada pela vírgula". A pausa acentuada é onde reside a verdadeira beleza de um ponto e vírgula. Podemos senti-la numa das maiores frases de Virgínia Woolf, quando ela descreve Clarissa Dalloway a ouvir o Big Ben: «First a warning, musical; then the hour, irrevocable» («Primeiro um aviso, musical; depois a hora, irrevogável»).

Colocamos um travessão no lugar do ponto e vírgula, e todo um momento no tempo e na emoção se evapora. A perda de tais momentos é o que o fim do uso do ponto e vírgula sinaliza.

Fonte

Tradução de "Melancholy decline of the semicolon", artigo da autoria do jornalista britânico Will Lloyd e publicado em 24 de novembro de 2021 em The Post, página associada ao jornal digital de língua inglesa UnHerd.

Sobre o autor

Jornalista britânico. Escreve em vários jornais de língua inglesa, como The Times e a publicação digital UnHerd.