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Dos povos indígenas
Dos povos indígenas
A brutal dimensão deste genocídio contemporâneo

«(...) Do Brasil chegam relatos de um genocídio em curso (iniciado com a colonização, continuado em 200 anos de independência e muito intensificado nos últimos cinco anos), sustentado em desmatamento, ganância e violência. Estima-se que a população indígena rondasse os 3 a 5 milhões em 1500. (...)» 

 
 

Comemora-se a 9 de agosto o Dia Internacional dos Povos Indígenas do Mundo, instituído pela Resolução 49/214 da Assembleia Geral da ONU, em 1994. O tema das comemorações deste ano é o papel das mulheres indígenas na preservação e transmissão do conhecimento tradicional; haverá emissões online com declarações e testemunhos. Em 2007, pela Resolução 61/295, foi aprovada a Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas, documento constituído por 46 artigos, abrangendo as diferentes áreas da vida destes povos, desde a relação com as sociedades dominantes, a educação, a cultura, a saúde e a economia, entre outros.

Um dos aspetos que não encontrei na Declaração foi uma definição do conceito de povos indígenas, prova da dificuldade da sua delimitação, apesar dos 60 anos que medeiam a publicação e as primeiras iniciativas legislativas internacionais na ONU (1972). É da leitura de diferentes artigos que é possível inferir que: os povos e as pessoas indígenas têm uma origem e identidade indígenas (art.º 2.º), constituem povos distintos (da sociedade dominante) pela sua integridade, valores culturais e identidade étnica (art.º 8.º) e têm direito a determinar a sua própria identidade ou pertença conforme os seus costumes e tradições. Se é difícil definir o conceito, não é mais fácil escolher a denominação apropriada: povos indígenas é o termo mais genérico, mas também são referidos em alguns contextos como povos aborígenes, originários, autóctones ou nativos. O preconceito histórico afeta o sentido etimológico e a denotação dos termos, conferindo-lhes conotações que dificultam o seu uso neutro, objetivo e/ou científico.

Atualmente, estima-se que haja 370 a 500 milhões de indígenas, em 90 países, representando cinco mil culturas diferentes e falando a maioria das sete mil línguas que se estima existirem. Constituem menos de 5% da população mundial, mas 15% das pessoas mais pobres: 47% dos indígenas com emprego, sobretudo mulheres, não tiveram acesso a Educação e mais de 86% trabalha na economia informal. Têm três vezes mais probabilidades de viver em pobreza extrema do que o resto da população mundial.

O relatório State of the World"s Indigenous Peoples, vol. 1, de 2009, após apresentar uma breve história da questão indígena a nível internacional e esclarecer o conceito, aborda os tópicos pobreza e bem-estar, cultura (incluindo terra, língua e identidade), meio ambiente, educação contemporânea, saúde, direitos humanos; aponta, ainda, três questões emergentes, de difícil solução: a necessidade de acesso a dados harmonizados e fidedignos sobre estes povos; a resolução de conflitos com as sociedades dominantes; o deslocamento forçado, expulsão e afastamento das suas terras, territórios e recursos. Se o retrato que resulta da leitura do relatório é preocupante, fácil é imaginar que nos dias de hoje a situação seja, pelo menos em alguns países, ainda mais negra.

A questão indígena está indissociavelmente ligada à destruição do meio ambiente. Do Brasil chegam relatos de um genocídio em curso (iniciado com a colonização, continuado em 200 anos de independência e muito intensificado nos últimos cinco anos), sustentado em desmatamento, ganância e violência. Estima-se que a população indígena rondasse os 3 a 5 milhões em 1500. De acordo com os censos de 2010, 817 963 indivíduos, cerca de 0,47% da população brasileira, declararam-se como indígenas. Os dados dos censos em curso serão certamente reveladores da dimensão deste genocídio contemporâneo.

 

Cf. Dia Internacional dos Povos Indígenas do Mundo

Fonte

Artigo da linguista e professora universitária portuguesa Margarita Correia, transcrito, com a devida vénia, do Diário de Notícias, com a data de 8 de agosto de 2022. 

Sobre a autora

Margarita Correia, professora  auxiliar da Faculdade de Letras de Lisboa e investigadora do ILTEC-CELGA. Coordenadora do Portal da Língua Portuguesa. Entre outras obras, publicou Os Dicionários Portugueses (Lisboa, Caminho, 2009) e, em coautoria, Inovação Lexical em Português (Lisboa, Colibri, 2005) e Neologia do Português (São Paulo, 2010). Mais informação aqui. Presidente do Conselho Científico do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP) desde 10 de maio de 2018. Ver, ainda: Entrevista com Margarita Correia, na edição número 42 (agosto de 2022) da revista digital brasileira Caderno Seminal.