«(...) Apesar de ser também a língua oficial da Guiné-Bissau e a única reconhecida como língua de ensino, o português será falado por não mais de 15% da população e apenas como língua segunda. (...)»
Em setembro, a Guiné-Bissau comemora duplamente a sua independência: a 24 de setembro de 1973, o (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde) declarou unilateralmente a independência; em 10 de setembro de 1974, Portugal reconheceu-a. Estas efemérides passaram quase despercebidas entre nós. Em contrapartida, são frequentes as notícias sobre a pobreza e a instabilidade política, que se alimentam reciprocamente. Estima-se que a pobreza, agravada pela pandemia de covid-19, atinja mais de 65% da população. Já o analfabetismo afeta mais de 40%, de acordo com estimativas de 2015. O trabalho infantil é próspero e, em 2011, a taxa de escolarização estava estimada em 55,3%. Uma pesquisa no Google por páginas com o domínio gw (o código ISO do país) devolve apenas 61 200 resultados, maioritariamente de instâncias oficiais, o que constitui (mais um) fator indicativo do escasso desenvolvimento do país. As perspetivas de futuro dos jovens guineenses são, portanto, baixíssimas e as próprias perspetivas do país como Estado independente não são esperançosas.
«A erradicação do analfabetismo e o acesso universal à educação são decisivos nesse combate.»
Há dias, um estudante da Guiné-Bissau dizia-me que o principal problema do país é ter tantas línguas, afirmação que me chocou e ainda ressoa na minha mente. Embora, de acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística, a população em 2020 se cifrasse em 1 624 945 habitantes, o país caracteriza-se por grande diversidade étnica e múltiplas formas de organização social, além de diversidade cultural e linguística.
As principais etnias que constituem a população bissau-guineense são fulas e povos de língua mandinga, balantas e manjacas; parte da população é mestiça e existem pequenas minorias de cabo-verdianos e, mais recentemente, de chineses. As principais línguas africanas, ou «étnicas» como são referidas no país, são o balanta, o mandinga, o manjaco, o mancanha, o papel ou pepel e o fula, mas a estas acrescem, ainda, o badjara, o bainouk-gunyuño, o basarri, o bayot, o biafada, o bidyogo, o ejamat, o kasanga, o kobiana, o mansoanka, o nalu e o soninke.
O português, que, em outros países que o têm como língua oficial, se tem vindo a afirmar como veicular e de unidade nacional, apesar de ser também a língua oficial da Guiné-Bissau e a única reconhecida como língua de ensino, será falado por não mais 15% da população e apenas como língua segunda.
O crioulo da Guiné ou kriol é a língua mais falada no país, ainda assim por apenas cerca de 90% da população, e carece de estudos descritivos e codificação que lhe permitam tornar-se língua de ensino a breve trecho.
Em síntese, embora a escola seja obrigatória a partir dos sete anos, a maioria das crianças que a frequenta nunca ouviu falar português antes de ingressar no ensino, mas será nessa língua que supostamente será alfabetizada e nela deverá aprender todas as matérias escolares. Não é de estranhar, pois, que os índices de insucesso e de abandono escolar sejam enormes; não é, ainda, de estranhar que os estudantes bissau-guineenses que estudam em Portugal se confrontem com enormes dificuldades em dominar o português formal e o português académico, além das muitas dificuldades financeiras que sofrem.
A instabilidade do país não garante a boa-vontade da comunidade internacional, pelo que terão de ser os bissau-guineenses a lutar pelo futuro dos seus jovens. A erradicação do analfabetismo e o acesso universal à educação são decisivos nesse combate. A diversidade terá de ser entendida como a principal riqueza do país, porque o é.
Artigo da autoria da linguista e professora universitária portuguesa Margarita Correia, publicado no Diário de Noticias do dia 3 de outubro de 2022.