Antologia - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
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Textos de autores lusófonos sobre a língua portuguesa, de diferentes épocas.


Língua minha, se agora a minha voz levanto
Pedindo à Musa que me inspire e ajude
Somente soe em teu louvor o canto,
Inda que a lira seja fraca e rude:
E tudo quanto sinto na alma, e digo,
Já que na alma não cabe,
Contigo viva e acabe – só contigo.

Língua minha dulcissona e canora,
Em que mel com aroma se mistura,
Agora leda, lastimosa agora,
Mas não isenta nunca de brandura;
Língua do gram Camões, a que ele ensina
A sinfonia rara,
Que em tudo se ...

[…] Recordo, com profundo respeito, a evolução, a ascensão gloriosa desta língua em que palpita e resplandece a própria alma da Latinidade. Com que ternura a vejo surgir da fala galega – primeira fonte, simples veio de água cristalina –, brincar nos versos arcaicos de D. Dinis, tão primitiva como a falariam, se a sua pedra pudesse animar-se, os reis e os apóstolos do pórtico da Glória, de Santiago! Com que desvanecimento a sinto, já corrente murmurante, tomar vulto na prosa inda bárbara de Fe...

            A Aurélio Buarque de Holanda



Fui conhecer Muribeca,
a vila onde não morou,
mas foi termo dos engenhos
e livros que lá datou.
Nada sobra dos engenhos
que teve esse quarto avô
e é até difícil saber,
dos que tinha, ele habitou.
Do Moraes do Dicionário,
da cana que cultivou,
de A...
em latim

“porta” se diz “janua”

e “janela” se diz “fenestra”


a palavra “fenestra”

não veio para o português

mas veio o diminutivo de “janua”,

“januela”, “portinha”,

que deu nossa “janela”

“fenestra” veio

mas não como esse ponto da casa

que olha o mundo lá fora,

de “fenestra”, veio “fresta”,

o que é coisa bem diversa


já em inglês

...

E cá mesmo no extremo Ocidental
Duma Europa em farrapos, eu
Quero ser europeu. Quero ser europeu
Num canto qualquer de Portugal.

Como as ondas do mar sabem ao sal,
A ave amacia o ninho que teceu;
Mas não será do mar, e nem do céu,
Porque me quero assim tão natural.

E se a esperança ainda me consente
No sonho do futuro, ao mal presente
Se digo adeus, — é adeus até um dia…

Um presídio será, mas é meu berço!
Nem noutra língua escreveria um verso
Que me soubesse ao sal desta harmonia.


Teu nome, Andrade1, de qu'é bem qu'esperem
O de que se já sempres espantaram
Quantos te vem, quantos depois vierem:
Teu raro esprito, de que se honraram
As Musas, que de si tanto te deram 2,
E que tarde outro como a ti darão:
Os bons escritos teus, que mereceram
Ou ouro, ou cedro, pois já nessa idade
Nos mostras neles , quanto em ti quiseram
As Musas renovar a antiguidade,
Em teu amor aceso me levaram (...)
Ninguém escreveu em português
No brasileiro de sua língua:
Esse à vontade que é o da rede,
Dos alpendres, da alma mestiça,
Medindo sua prosa de sesta,
Ou prosa de quem se espreguiça.


1 Este poema é dedicado ao escritor brasileiro Gilberto Freyre, autor do livro Casa-Grande & Senzala, publicado em 1933.

Em detrimento do latim

 Extrato do livro O diálogo em louvor da nossa linguagem de João de Barros (2.ª edição, feita em 1785 pelos monges da Cartucha de Évora), no qual , no diálgo entre pai e filho, subjaz a defesa do português como língua materna, e não o até então dominante latim nas elites políticas e religiosas.

Coimbra, 23 de Julho de 1983

Ensinam português em França. E recebi-os e honrei-os como se fossem missionários da pátria a pregar civilizadoramente a um povo civilizado a boa nova de uma língua e de uma cultura que ele desconhece. Língua e cultura que deram a volta ao mundo, e continuam clamorosamente à espera da sua hora europeia.

Coimbra, 9 de Outubro de 1983

Já me fizeram cargo os meus censores
de ter muito latim portuguesado.
Mais honra me fizeram que eu mereço.
em dar sobejo preço os tais senhores,
dar sobeja importância a quatro trovas
que nuns borrões lancei por desenfado.
e à luz dei só por míngua de dinheiro.
Mas, pois tão alto vai esse arruído,
permitam-me acudir por meu cliente.
Se cunho português dei a latinas
vozes, e é crime pôr-lhe cunho alheio.
réus desse crime...