a vila onde não morou,
mas foi termo dos engenhos
e livros que lá datou.
Nada sobra dos engenhos
que teve esse quarto avô
e é até difícil saber,
dos que tinha, ele habitou.
Do Moraes do Dicionário,
da cana que cultivou,
de António de Moraes Silva,
do Rio-rua Ouvidor,
que preferiu Pernambuco
quando a Europa o madurou,
o que foi, de tanta terra,
o que hoje em dia sobrou,
o que a moenda do tempo
ainda não mastigou?:
O léxico em mel-de-engenho
que ao português integrou,
o pão alegre da cachaça
que de certo destilou,
a sintaxe canavial,
a prosódia do calor,
que escutou de sua rede
nos descansos de escritor.
Que teve canaviais
e de engenhos foi senhor,
basta ver o que é a vila
de Muribeca, e seu teor.
Tudo ali mostra que canas
se alastraram no arredor:
desde as igrejas cariadas
que apodrecem sem fervor,
à rua vã, boquiaberta,
babando ocioso torpor.
1Poema de louvor a António de Moraes Silva, autor do Grande Dicionário da Língua Portuguesa, «obra monumental, em 12 volumes, com 12 278 páginas, registando 306 949 vocábulos, é o mais completo repositório da língua portuguesa e também a fonte mais segura de esclarecimento ortográfico, ortoépico, filológico e morfológico do idioma comum a Portugal e Brasil», segundo os editores do Novo Dicionário Compacto da Língua Portuguesa, de António de Moraes Silva (Ed. Confluência, Lda./Livros Horizonte, Lda., 1980), «edição compacta do Grande Dicionário de Moraes: cinco volumes que ocupam os doze da edição monumental».
In A Escola das Facas [1975-1980], Poesia Completa, Lisboa, IN-CM, 1986, pp. 38-39.