Antologia - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
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Textos de autores lusófonos sobre a língua portuguesa, de diferentes épocas.


Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
muda-se o ser, muda-se a confiança;
todo o mundo é composto de mudança,
tomando sempre novas qualidades.


Continuamente vemos novidades,
diferentes em tudo da esperança;
do mal ficam as mágoas na lembrança,
e do bem – se algum houve – as saudades.


O tempo cobre o chão de verde manto,
que já coberto foi de neve fria,
e enfim converte em choro o doce canto.


E, afora este mudar-se cada dia,
outra mudança faz de mor espanto:
que não se muda já como soía.

 

Portimão–Outubro–1901

Li com agudíssimo prazer a sua última carta e compadeci a dor das suas melancolias, atenuando-a na experiência do lírico:

—...que não há ninguém,
que possa sofrer um mal,
sem se alembrar de algum bem...

Ainda é do melhor que nos resta essa faculdade de forragear nas próprias mágoas, agora que a nossa mãe espiritual – para mim renegada – a França entendida, vai dançando rondas oficiais em volta da estátua do Paulo ...

Rasgo as árvores até perceber

como foi

antes das vogais

e regresso a casa.


Tenho um rebanho de palavras à minha espera
Conheço-as bem
como o cajado onde me encosto enquanto penso
Cubro os ombros de Sol e
fico-me de longe a olhar o rebanho.
As palavras correm livres pelo pasto
É com as mãos que eu as chamo
e elas vêm submissas
É com as mãos que as afasto
«Vão-se embora palavras»
Magoadas, adormecem depois.

O que é o verso e a rima? É uma nova língua? É uma nova sintaxe?...

Não há duas línguas num povo, nem duas sintaxes numa língua.

O verdadeiro verso rimado é o que respeita profundamente o tesouro público da língua nos seus elementos e combinações estabelecidas ; não vive à custa da ordem, da propriedade e da clareza, devida ao espírito, que está em primeiro lugar; não acrescenta nem tira nada: fala como se costuma falar, diz o que se deve dizer; e, sem a mais pequena diferença da ...

Por Ruy Belo


Conheço as palavras pelo dorso. Outro, no meu lugar, diria que sou um domador de palavras. Mas só eu - eu e os meus irmãos - sei em que medida sou eu que sou domado por elas. A iniciativa pertence-lhes. São elas que conduzem o meu trenó sem chicote, nem rédeas, nem caminho determinado antes da grande aventura.
Sim. Conheço as palavras. Tenho um vocabulário próprio. O que sofri, o que vim a saber com muito esforço fez inchar, rolar umas sobre as outras as palavras. As palavras são seixo...

Por Ruy Belo


Meados de janeiro. No aeroporto duma capital
- leitores eventuais se quereis saber qual
terei de ser sincero como sempre o sou e não apenas em geral:
o caso que vos conto aconteceu no europeu nepal -
um grupo de pessoas num encontro casual
desses que nem viriam no melhor jornal
de qualquer dos países donde algum de nós seria natural
de certo por alguma circunstância puramente acidental
emprega no decurso da conversa a palavra «natal»
embora a pensem todos na res...


Fosse eu pintor ou músico
(Pobre de sons, embora! Pálido de cor, que importa!)
Sempre haveria alguém que me entendesse
Em qualquer canto incógnito do Mundo.
Sempre haveria alguém que me dissesse:
— Músico, vem! Entra, pintor! — e abrir-me-ia a porta.


Mas da palavra eu fiz a minha ferramenta.
Sim, da palavra, como os loucos.
E quanto sinto e penso unicamente o digo em português,
Quase em silêncio, porque somos poucos.
Quase em família. E só por uma vez

Desagradecidos Portugueses, e desnaturais, são os que, por desculparem sua negligência, culpam a pobreza da língua. Bem sei que se na minha eloquência lançarem prumo, que lhe acharão poucas braças; mas nunca tão desleal serei à terra que na vida me sustém, e na morte consigo me há-de abraçar, que por me escusar a acuse, e por me livrar a condene...

O uso literário do português começou pelas formas poéticas, sob D. Sancho I (1154-1211) e principalmente quando os fidalgos que regressaram de França com D. Afonso III reproduziram como moda da corte o lirismo trobadoresco, que D. Denis aproximou da tradição popular. A redacção em prosa começou pelos latinistas eclesiásticos, traduzindo em português os Evangelhos e alguns livros moralistas dos Padres da Igreja.

De uma geração de «linguareiros sem gramática e sem escova de unhas»

«Falta-nos a precisão no termo exacto; falta-nos a elasticidade no giro da locução; falta-nos o rasgo pitoresco no desenho da frase; falta-nos a vibrante harmonia na orquestração do discurso. Coçamo-nos, contorcemo-nos, desarticulamo-nos, a querer dizer amor, e nunca nos chega a língua. Temos a prosa histérica, abastardada, exangue e desfalecida de uma raça moribunda.»

 

Texto da autoria de Ramalho Ortigão (1836 — 1915 ), publicado  no livro As Farpas, em coautoria com Eça de Queirós. Edição David Corazzi, tomo III, pág. 44 e ss., janeiro de 1884, in Paladinos da Linguagem, 1.º vol., Aillaud e Bertrand, Lisboa, 1921. Título da responsabilidade do Ciberdúvidas