Antologia - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
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Textos de autores lusófonos sobre a língua portuguesa, de diferentes épocas.


Língua, Casa do Ser que lá não mora,
E, se chama, não está por morador,
Que só em nós o verbo se demora
Como sombra de sol e eco de amor.

Abrigo sim, porém sem tecto, fora
De torre ou porta, os muros no interior:
Assim a Casa essente rompe à aurora
Para se incendiar com o sol-pôr.

É a noite o seu rápido alicerce,
Enquanto Casa, que não Ser (aéreo
O que nem isso é ia eu dizer

No hábito verbal que corta cerce
A hastilha do jardim da Casa, etéreo
Mensageiro de fogo. Pode ser).

 

Lamentável sabujice
A preferência do estrangeirismo ao idioma nacional

«Na língua verdadeiramente reside a nacionalidade; e quem for possuindo com crescente perfeição os idiomas da Europa, vai gradualmente sofrendo uma desnacionalização. Não há já para ele o especial e exclusivo encanto da fala materna com as suas influências afectivas, que o envolvem, o isolam das outras raças; e o cosmopolitismo do Verbo irremediavelmente lhe dá o cosmopolitismo do carácter. Por isso o poliglota nunca é patriota.»

[Eça de Queirós, in A Correspondência de Fradique Mendes, 2ª. ed. Porto, 1902. pág. 142]

De todas as vogais portuguesas, a mais desgraçada é o e. Pouca gente, hoje em dia, a sabe pronunciar quando lhe vem à colação.
   Vejamos os casos em que deve valer i - sem que se ajude a cumprir esse dever.
   Um dos casos é aquele em que o pobre do e inicia palavra sem força bastante para merecer a designação de tónico. É o caso do e inicial átono...
   Toda a gente soube, até há pouco tempo, que o e in...


    Teu nome, Andrade, de qu´é bem qu´esperem
    O de que se já sempre espantaram
    Quantos te vem, quantos despois vierem:
    Teu raro espríto, de que se honraram
5   As Musas, que de si tanto te deram,
    E que tarde outro como a ti darão:
    Os bons escritos teus, que mereceram
    Ou ouro, ou cedro, pois já nessa idade
   ...


Tu que foste do Lácio a flor do pinho
dos trovadores a leda a bem-talhada
de oito séculos a cal o pão e o vinho
de Luís Vaz a chama joalhada

tu o casulo o vaso o ventre o ninho
e que sôbolos rios pendurada
foste a harpa lunar do peregrino
tu que depois de ti não há mais nada,

eis-te bobo da corja coribântica:
a canalha apedreja-te a semântica
e os teus verbos feridos vão de maca.

Já na glote és cascalho és malho és míngua,
de brisa barco e bronze foste a língua;
língua serás ainda... mas de vaca.

 


Praia presa, adiantada
no mar, no longe, no círculo
de coral que o mar represa.
Praia futura invocada.

Timor ressurge das águas,
praia futura invocada.

Molho o meu sangue na alma
da bandeira que mais prezo,
porque tenho nela a voz
da minha candeia acesa.

Sou transparente ao luar
da minha candeia acesa.

Senhor da terra, das águas,
do ar e dos milheirais.
Senhor Mãe e Senhor Pai,
dai-me um desejo profundo.

Que eu seja senho...


Meu irmão, meu irmão branco,
de cor, como eu também!
Aceita a minha aliança.
Bebe o meu sangue no teu.

Se te sentires timorense,
bebe o teu sangue no meu.

Lenço enrolado nas mãos,
apertadas, pele na palma.
Não o quero maculado.
Quero-lhe mais que à minh´alma.

É penhor de uma aliança.
Quero-lhe mais que à minh´alma.

Tenho o meu coração preso
a um símbolo desfraldado;
um desenho atribuído,
pelas minhas mãos hasteado.

Não pi...


Um caminho de areia solta conduzindo a parte
nenhuma. As árvores chamavam-se casuarina,
eucalipto, chanfuta. Plácidos os rios também
tinham nomes por que era costume designá-los.
Tal como as aves que sobrevoavam rente o matagal

e a floresta rumo ao azul ou ao verde mais denso
e misterioso, habitado por deuses e duendes
de uma mitologia que não vem nos tomos e tratados
que a tais coisas é costume consagrar-se. Depois,
com valados, elevações e planuras, e ...

A língua como definidora de identidade portuguesa  neste poema  de Jorge de Sena, transcrito na  antologia Poesia-III, Moraes Editores, Lisboa. 


Estão podres as palavras — de passarem
por sórdidas mentiras de canalhas
que as usam ao revés como o carácter deles.
E podres de sonâmbulos os povos
ante a maldade à solta de que vivem
a paz quotidiana da injustiça.
Usá-las puras — como serão puras,
se caem no silêncio em que os mais puros
não sabem já onde a limpeza acaba
e a corrupção começa? Como serão puras
se logo a infâmia as cobre de seu cuspo?
Estão podres: e com elas apodrece o mundo
e se ...