DÚVIDAS

Verbos de percepção e concordância em orações de infinitivo, novamente

A frase «Eu vi os leões matarem as zebras» me parece inquestionavelmente correta.

No entanto, a frase «Eu vi os leões matar as zebras» já me suscita sérias dúvidas. Eu vou explicar por quê.

É comum ver expressões deste género:

«Eu vi-te matar zebras» ou «Eu vi-os matar zebras», em vez de «Eu vi-te matares zebras» ou «Eu vi-os matarem zebras».

Não só no Brasil como em Portugal...

Resposta

A comparação que faz entre as duas primeiras frases permite formular a seguinte regra:

I. Depois de verbos de percepção (ver, ouvir, sentir), usa-se o infinitivo flexionado numa oração subordinada completiva infinitiva, se o sujeito desta oração for um grupo nominal.

Mas a esta regra podem acrescentar-se mais duas.

II. Usa-se o infinitivo não-flexionado, se o sujeito semântico da oração completiva for realizado por um pronome átono com a função de complemento direto do verbo de percepção.

(1) «Eu vi-te matar zebras.»

(2) ?«Eu vi-te matares zebras.»

A frase (1) está correta, mas (2) tem restrições.

III. Também se prefere o uso do infinitivo não-flexonado, se na oração de infinitivo o sujeito, realizado por grupo nominal se encontrar em posição pós-verbal (cf. Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, págs. 484/485):

(3) «Eu vi correr os leões.»

Assinale-se que III só se aplica a verbos intransitivos. Com verbos transitivos cujo sujeito é um grupo nominal, criam-se dificuldades à concordância, porque a frase se torna ambígua:

(4) ?«Eu vi matar os leões as zebras»

Sem contexto nem acesso a conhecimento enciclopédico, fica disponível a leitura segundo a qual são as zebras que matam os leões.

É, portanto, preferível o grupo verbal com função de sujeito se encontrar antes do respectivo predicado, na oração completiva. Daí que (6) seja a frase mais correta:

(5) «Eu vi os leões matarem as zebras.»

Isto não invalida a possibilidade de frases como (2) (acima) ou (6):

(6) «Eu vi os leões matar as zebras.»

Em casos como os de (2) e (6), Cunha e Cintra (op. cit.) admitem o infinitivo não-flexionado, mas não consideram o seu uso comum, que apenas se explica «pelo realce que, no caso, se concede ao sujeito do infinitivo».

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