DÚVIDAS

Seu, dele e você no ensino da língua

Numa questão sobre seu/ dele ["Determinantes e pronomes possessivos seu/dele"], parece que entendem o dele também como pronome possessivo. Estou errado? É que, na verdade, já li tal "barbaridade" em, pelo menos, uma gramática da língua portuguesa usada programada para o 3.º ciclo e o ensino secundário. Em livros para o ensino do português (LE) na Galiza, esse erro é comum.

Em relação aos pronomes pessoais, a referida gramática coloca na 2.ª pessoa do singular tu/ você, e no plural vós/vocês. Os livros para o ensino do português (LE) vão mais longe: eu, tu, ele, ela, você, o senhor, a senhora, nós (não mencionam vós), eles, elas, os senhores, as senhoras.

Na verdade, anda por aí uma rapaziada – no caso da gramática, uma raparigada – a dar cabo da norma da língua.

Gostava de saber a vossa opinião no caso do dele/ dela, e plurais, como pronome possessivo.

Resposta

Na resposta em causa, o autor, o Prof. F. V. Peixoto da Fonseca (1922-2010), não classifica dele como pronome possessivo. Mesmo assim, juntou-se uma nota para esclarecer que dele é um grupo preposicional, e não um determinante possessivo.

Quanto à descrição e classificação apresentadas em certas gramáticas escolares, toma-se boa nota do que diz o consulente, com várias ressalvas. Por exemplo, uma consulta de algumas gramáticas escolares publicadas em Portugal – Nova Gramática Didática de Português (Santillana/Constância, 2011), Domínios – Gramática da Língua Portuguesa (Plátano Editora, 2011) e Gramática Prática de Português (Lisboa Editora, 2011) – revela que estas não classificam dele nem como pronome possessivo nem como determinante possessivo.

Relativamente a manuais e gramáticas de Português como Língua Estrangeira (PLE), não conhecemos as obras a que se refere o consulente, mas sabemos que dele aparece muitas vezes junto dos pronomes possessivos, com a particularidade de todas estas formas serem classificadas como possessivos, sem se mencionarem os termos pronome nem determinante. Dado que tais gramáticas têm sobretudo em vista o ensino da língua a estrangeiros, e não o conhecimento explícito dos falantes nativos, compreende-se que se fale simplesmente de possessivos e que neles se inclua dele, dela, deles e delas. Por outras palavras, nos materiais de PLE, razões didáticas podem justificar o sacrifício de algum rigor terminológico nos níveis de iniciação. No entanto, nos níveis mais avançados convirá conhecer a terminologia linguística usada.

A respeito da classificação gramatical de você, constata-se que a terminologia gramatical adotada em Portugal no ensino não universitário – a do Dicionário Terminológico – menciona essa mesma palavra como pronome pessoal. Trata-se de classificação que não é de agora, porque já em 1940 o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa consignava a forma você, classificando-a como pronome pessoal.

Finalmente, acerca da omissão de vós nas gramáticas de PLE, esta pode justificar-se mais uma vez nos níveis de iniciação e numa perspetiva funcional e comunicativa, uma vez que os usos verbais correspondentes a vocês (implícito ou subentendido) dominam na língua padrão e, se pensarmos noutros países de língua portuguesa, na maior parte das variedades dialetais. Nada obsta a que se inclua vós nas listas de formas a estudar, se um aluno ou um grupo de alunos de iniciação tiverem interesse especial por um português europeu mais marcadamente setentrional. Nos níveis avançados, mesmo que não as ativem habitualmente, impõe-se que os alunos já conheçam as formas de 2.ª pessoa do plural. Aliás, é isto que se verifica no Manual de Língua Portuguesa (Coimbra Editora, 1989), de Paul Teyssier, autor que, apesar de exageradamente afirmar que vós não ocorre na língua falada, apresenta este pronome no reportório das formas pronominais tónicas.

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