Trata-se de dois versos da estrofe 103 do canto II de Os Lusíadas (nas consultas, convém sempre referenciar devidamente a passagem a analisar) que têm a seguinte particularidade: ilustram como já no século XVI o pronome se era usado como sujeito indeterminado, equivalente ao pronome indefinido alguém, e não como partícula apassivante ou apassivadora.
Com efeito, se se tratasse de partícula apassivante, o verbo soar, usado transitivamente, teria de concordar com «os grandes feitos», que é o sujeito na construção passiva correspondente: «soam-se [= enaltecem-se] os grandes feitos» = «os grandes feitos são soados». Na verdade, o que se passa é que tal concordância não se verifica, mantendo-se o verbo no singular, apesar da sua transitividade, o que indicia que a concordância se faz com se, equivalente a alguém: «soa-se os grandes feitos» = «alguém soa os grandes feitos».
Como já se tem dito aqui, do ponto de vista normativo, há opiniões desencontradas sobre a legitimidade da construção de se indeterminado com verbos transitivos. De qualquer modo, as duas construções têm sido atestadas pela descrição linguística do português actual e, como vimos, de fases mais antigas da história da língua.