Uma das características das línguas vivas prende-se com a capacidade que qualquer falante tem de produzir, e compreender, enunciados nunca antes ouvidos ou pronunciados. Tal facto implica que, por vezes, ocorram produções linguísticas que se não enquadrem com facilidade nas regras de organização sintática. Surgem, assim, aqui e ali, possibilidades diversas, e igualmente legítimas, de interpretação de algumas frases. Surge, também, a necessidade de articular a profundidade da análise com a competência metalinguística dos destinatários, sobretudo se se trata, como parece ser o caso, de alunos do ensino básico ou secundário…
No caso de «Rico, desdenhava dos humildes», uma das interpretações, eventualmente a mais fácil para um jovem, será a seguinte:
(i) «Rico, desdenhava dos humildes.»
Sujeito – nulo subentendido – «ele»;
Modificador apositivo – «rico»;
Predicado – «desdenhava dos humildes»;
Complemento oblíquo – «dos humildes».
A interpretação de «rico» como modificador apositivo justifica-se pelo facto de estar isolado por vírgula. Se o sujeito estivesse expresso, «rico» viria, igualmente, isolado por vírgulas:
«Ele/O Mário, rico, desdenhava dos humildes.»
Note-se que o modificador apositivo tem, frequentemente, uma interpretação causal, ou explicativa, o que é visível em análises com a de Evanildo Bechara, na Moderna Gramática Portuguesa, 2002, p. 457, segundo a qual estruturas deste tipo são «apostos circunstanciais»:
(ii) «Paulinho, amigo, tirou-o da dificuldade.»
A possibilidade de interpretar «rico» como predicativo do sujeito em construção elíptica, ainda que, eventualmente, possível, seria, no contexto em apreço, uma abordagem mais complexa, pelo que poderia surgir, por exemplo, num estudo, ou investigação, mais profundo, muito para além dos objetivos deste espaço.