DÚVIDAS

Sinédoque: «Ocidental praia lusitana»

Costumeiramente se afirma que no famoso verso de Camões «Que da ocidental praia lusitana» (Os Lusíadas, I, II) há uma sinédoque.

Dizem que o poeta toma a praia por toda a nação portuguesa, mas o que me parece é que a expressão «ocidental praia lusitana» se refere ao porto de Lisboa, que fica na parte ocidental do país.

Por tudo isso, peço humildemente que me expliqueis a correta interpretação do verso camoniano e como chegar a ela.

Resposta

A sinédoque é considerada um tipo particular de metonímia que se caracterizado pela «atribuição do nome de uma realidade a outra é aqui fundamentada não numa relação externa acidental mas sim essencial, tomando-se o todo pela parte ou a parte pelo todo» (Dicionário de e-termos literários).

O verso em questão integra a primeira estância d’Os Lusíadas, que aqui se recorda:

«As armas e os barões assinalados,
Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;»

A identificação de uma sinédoque no segundo verso da estância é uma questão de interpretação. Se considerarmos que a interpretação deste enunciado deve ser literal, então a leitura que dele se fará será coincidente com a que apresenta o consulente: os portugueses partiram de uma praia localizada no ocidente de Portugal, que poderia, eventualmente, corresponder a uma praia de Lisboa.

Todavia, esta interpretação empobreceria a interpretação da intenção do poeta, pois este não quer cantar apenas um grupo de homens que saíram de um porto de Lisboa, quer, antes, cantar todos os homens de valor que saíram de Portugal (tomado como um país inteiro) para conquistarem os mares por descobrir. Nesta interpretação, o verso de Camões assume uma significação mais grandiloquente, ao estilo de um poema épico, e corresponderá melhor às intenções do poeta, que quer tomar como matéria do seu poema não um herói individual, mas um herói coletivo: os portugueses.

Por esta razão, prefere-se a interpretação do verso em análise como uma sinédoque que toma a «ocidental praia Lusitana» como uma parte do todo que é Portugal.

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