Nem sempre é possível dar a uma frase ou palavra uma única classificação. Na frase em análise, a classificação do verbo chegar dependerá da interpretação que dermos à expressão «para nós». Sendo o dativo característico do complemento indirecto, na maioria dos casos, poderíamos defender que o verbo chegar é transitivo indirecto. No entanto, como Bechara também diz, os complementos iniciados pela preposição para não são, ou não costumam ser, complementos indirectos e, nesse caso, independentemente de, semanticamente, se tratar do beneficiário ou destino do evento, a expressão poderá ser um complemento preposicional ou, ainda, circunstancial. A favor da classificação como circunstancial poder-se-á referir que se trata de uma expressão que não preenche um lugar, ou argumento, necessário para esgotar o conjunto de complementos que o verbo chegar exigirá.
Poder-se-á, no entanto, defender ainda que neste contexto específico a expressão «para nós» poderá ser considerada como parte integrante do predicado, sobretudo porque em alguns casos se pode substituir pelo pronome oblíquo [no exemplo em análise, creio não ser esse o caso, pois, se dissermos «Chegou-nos uma carta», a frase não tem exactamente o mesmo sentido que tem «Chegou (uma) carta para nós»].
Todas estas interpretações terão aspectos que as sustentem e aspectos que as derrubem, pelo que não será possível, a meu ver, atribuir ao verbo uma classificação única.
Imagino que esta resposta a não satisfaça, sobretudo se é professora de jovens que ainda não atingiram a maturidade linguística necessária para aceitar a diversidade da língua e conviver com ela e se pretende abordar o tema com eles. Nesse caso, e do ponto de vista pedagógico, tem, parece-me, dois caminhos: ou assume uma interpretação e a dá como única possível, ou evita analisar frases deste tipo.
Claro que o ideal seria estarmos perante alunos com quem fosse possível problematizar este tipo de questões.