DÚVIDAS

O género de jeans

Li com curiosidade os esclarecimentos dados por José Mário Costa, no tocante ao termo inglês jeans e à sua incorporação na nossa linguagem comum. Mas resta-me uma (ciber)dúvida: feito este inevitável aportuguesamento de uma palavra destituída de género, na sua origem, como classificá-la, agora?

Substantivo masculino (como é corrente), ou feminino (como o género de roupa – «as calças» – a que pertence)?

As raízes francesas da palavra jeans são bastante plausíveis, tendo em conta a provável derivação do nome da cidade italiana de Génova, muito associada ao fabrico dos tecidos usados nesta roupa; derivação esta que tem a sua origem na designação francesa para a mesma cidade – Gênes.  Chegados assim a jeans, por corruptela de tradução, percebe-se que os franceses atribuam o género masculino à palavra, uma vez que ela se situa no grupo, também masculino, denominado pantalons.  Mas será esta influência razão suficiente para legitimar a atribuição do mesmo género à roupa que, entre nós, se insere no universo (feminino) das “calças”?

Eis a questão.

Cordial e reconhecidamente.

Resposta

O anglicismo jeans é geralmente classificado como nome dos dois géneros (masculino e feminino) nos registos dicionarísticos – são casos recentes os registos do Dicionário Priberam da Língua Portuguesa e do Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa.

Poderá, como propõe o consulente, atribuir-se à palavra importada o género que terá o seu sinónimo, processo conhecido como atração sinonímica. Sob este prisma, sendo jeans a denominação de um tipo de vestuário que se chama calças, do género feminino («as calças») então, lógico será atribuir ao estrangeirismo o mesmo género.

Contudo, importa também ter em conta a história da palavra, e neste caso não só não é despicienda a via por que foi transmitida ao português, como também não são de descurar certas tendências (que podem ser contraditórias) da própria língua de chegada. Neste sentido, observa-se que, em português, os anglicismos têm tendido a receber o género masculino, como já apontava um estudo de 20052:

«Normalmente, aos nomes comuns do inglês é atribuído o género masculino, podendo dizer-se que esse género é atribuído por defeito. É por essa razão que nomes como flash, ketchup e software têm género masculino.»

E os autores do estudo acrescentam:

«[...] a respeito da atracção sinonímica, encontramos vários contra-exemplos no próprio corpus REDIP, : os estrangeirismos bookshelf, goal-average e helpdesk ocorrem com o género masculino, não obstante poderem ser associados às palavras vernáculas [do género feminino] prateleira, média e secretária, respectivamente.»

Cabe também observar que, aplicando-se o anglicismo a um tipo de calças – são, em Portugal, as mais correntemente chamadas «calças de ganga» –, não é forçoso que ao termo jeans seja atribuível o género feminino. O exemplo de colãs é, a este título, elucidativo, pois apesar de ter o sinónimo vernáculo meias-calças, do género feminino, os dicionários registam colãs como nome do género masculino, e não do género feminino, como o seu sinónimo poderia deixar adivinhar.

Acresce que, em matéria de atribuição do género gramatical à adaptação de estrangeirismos, não existe uma entidade que defina a opção mais lógica ou mais fundada a tomar neste casos, pelo que a classificação de casos como os de jeans e colãs depende em grande medida do uso.

 

1 O termo «atração sinonímica» é usado por Tiago Freitas, Maria Celeste Ramilo e Elisabete Soalheiro, no artigo ""O processo de integração dos estrangeirismos no português europeu")" in A Língua Portuguesa em Mudança, Lisboa, Editorial Caminho, 2005, pp. 40/41. Mantém-se a ortografai original.

2 Ibidem.

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