Sobre o uso popular brasileiro da forma mó como advérbio, em construções adjetivais de grau, portanto, equivalendo a muito – «mó linda» (= «muito linda») –, é provável que provenha de maior ou da sua variante arcaica mor. Contudo, trata-se de uma forma a respeito da qual faltam comentários e registos fidedignos que permitam reconstruir o aparecimento do seu uso. Sendo assim, mais útil se afigura apenas registar por enquanto as hipóteses sobre a sua génese, em lugar de declarar que só uma é verdadeira.
Se a relação com muito é duvidosa1, parece bastante popular2 e muito plausível do ponto de vista fonético a ideia de que a forma adverbial mó tem origem em mor, variante de maior, que se conserva em compostos como capela-mor ou altar-mor. Com efeito, dada a tendência de vários dialetos brasileiros para a queda do -r final (apócope), a passagem de mor a mó ficaria assim explicada. Por outro lado, como mor tem valor de comparação e grau, não se torna impossível a sua gramaticalização como advérbio de quantidade, como pode deixar supor a seguinte sequência de exemplos, todos retirados de registos orais ou oralizantes reunidos no Corpus do Português, de Mark Davies:
(1) «Eu d[ou] a mó força.»
(2) «Primeiro é aquele monte de despedida, mó festa.»;
(3) «[...] tenho mó vontade de abrir o jogo [...].
(4) «A Kim tem mó corpo lindo [...].»
(5) «[...] fiquei mó feliz [...].»
Os exemplos 1 a 5 apontam para vários usos de mó que poderão desenhar uma multifuncionalidade a que se associam vários significados (polissemia) suscetíveis de explicar o passo de «maior», ilustrado em 1 e 2, a «muito», conforme 5, pela significação intermédia de «muita» em 3 e pela construção de grau em 4 (ainda que numa ordem que a língua culta desconhece, pois que neste registo se diria «a Kim tem um corpo muito lindo»).
Mesmo assim, não será de excluir um outro fator na emergência de mó: considerando que se emprega «mó de gente», com registo em guias de uso (por exemplo, o de Maria Helena Moura Neves)3, é possível este uso, no sentido de «muito», ter convergido com o do seu homónimo originário de mor. Ou seja, assim como «muita gente» seria «mó de gente», também «muito linda» seria «mó de linda» e, depois, simplesmente «mó linda» . É esta mais uma conjetura sobre um uso popular brasileiro.
1 Seria talvez necessário fazer proceder mó de mui, forma apocopada arcaica de muito, conservando o valor semântico. No entanto, a possibilidade de mui ter dado lugar a mó, direta ou indiretamente (por exemplo, mediante uma variante como "moi", de modo a explicar a passagem de ui a ó), revela-se frágil, por não se apoiar em usos que de algum modo a evidenciam ou sugiram.
2 Ler comentários sobre mó em Wordreference.com.
3 Não é descabido aceitar que mó de integra a palavra mó, «pedra grande, circular, paratriturar grão», que ocorre na locução de forma metafórica, em alusão ao que é pesado, volumoso, portanto, intenso e, daí, numeroso.