Como falante de português europeu, confesso, impressionisticamente, que não me soa mal o pretérito perfeito do conjuntivo, talvez reforçando o valor hipotético de toda a frase interrogativa:
(1) «Terá havido anteriores indícios, para os quais uma traiçoeira insensibilidade me tenha tornado cego?»
Mas, vendo bem, não encontro razão nenhuma objectiva para aceitar esse tempo verbal no contexto em causa, pelas seguintes razões:
I. A relativa «para os quais... cego» é incompatível com o conjuntivo na frase declarativa declarativa correspondente à interrogativa em questão (o asterisco indica agramaticalidade):
(2) «Terá havido anteriores indícios, para os quais uma traiçoeira insensibilidade me tornou/*tenha tornado cego.»
II. Se o sujeito estivesse incluído na estrutura relativa, isto é, se fosse um pronome relativo, o conjuntivo poderia ser alternativa ao indicativo:
(3) «Terá havido uma traiçoeira insensibilidade que me tornou/tenha tornado cego?»
Em (3), é possível empregar tanto o indicativo, atribuindo-lhe um valor assertivo, como o conjuntivo, dando-lhe um valor modal.1
Mas não é isso que acontece em (1), porque o pronome relativo está inserido num complemento preposicional que não pode ser sujeito, visto este ser realizado por «uma traiçoeira insensibilidade». Por outras palavras, apenas um pronome relativo com a função de sujeito é compatível com os dois modos verbais.
1 A uma relativa restritiva que tenha o verbo no indicativo e antecedente de carácter específico, associa-se um valor assertivo; se o verbo estiver no conjuntivo, o valor é modal (cf. M.ª Helena Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Editorial Caminho, 2003, págs. 669/670); exs.:
(i) «São espanhóis os miúdos que brincam [presente do indicativo] ali.» (valor assertivo)
(ii)«Quero um livro que tenha [presente do conjuntivo] imagens de Espanha.» (valor modal)