Segundo a tipologia verbal, o verbo dar1 é transitivo direto e indireto. Seleciona, portanto, dois complementos: um complemento direto e um complemento indireto.
Demonstro a análise da frase:
a) «Não dês ouvidos aos boatos.»
1. Aplicação do teste de identificação do complemento direto:
a’) «Não os dês aos boatos.»
2. Aplicação do teste de identificação do complemento indireto:
a’’) «Não lhes dês ouvidos.»
3. Aplicação dos dois testes:
a’’’) «Não lhos dês.»
Assim, a sua análise está correta e o teste sintático de identificação do complemento indireto bem aplicado.
Nota: A paráfrase da grelha argumental do verbo dar é Quemsuj dá, dá alguma coisacompl.direto a alguémcompl.indireto. Entendendo-se que o constituinte que desempenha a função sintática de complemento indireto é «sempre» uma entidade animada.
A frase em apreço é uma frase marcada; funciona, na língua, como um adágio popular. Podemos, eventualmente, assumir que existe uma elipse de uma oração substantiva relativa sem antecedente: Não dês ouvidos a quem diz boatos. Assim sendo, a entidade animada está em estrutura profunda (Não dês ouvidos a quem diz boatos), mas é elidida na passagem para a estrutura de superfície (Não dês ouvidos a […] boatos).
Repare que numa frase com o verbo dar cujo item lexical, candidato a complemento indireto, é genuinamente inanimado, não podendo receber o papel semântico de recetor da ação praticada, a regência verbal é em e não a:
b) «Dei uma cabeçada na parede.»
c) «*Dei uma cabeçada à parede.»
1 O verbo dar é um predicador de três lugares (X dar Y a Z). Vide Gramática do português, Fundação Calouste Gulbenkian, cap. 11, pág. 362.