A grafia brasileira esôfago, que representa a pronúncia da palavra com o fechado (símbolo fonético [o]), parece uma especificidade do Brasil relativamente antiga, talvez anterior à independência deste país, mas de origem incerta. Em todo o caso, não indicia influência do castelhano.
A pronúncia de esôfago (que em Portugal se escreve e pronuncia esófago) com o fechado está documentada, pelo menos, desde 1813, data de publicação da 2.ª edição do Diccionario da Lingua Portugueza de António de Morais Silva (1755-1824). Infere-se que a vogal o era fechada pela forma esòphago, cujo acento grave é um diacrítico empregado por Morais para marcar o timbre vocálico fechado. Observe-se, porém, que este lexicógrafo, ainda que tenha passado períodos da sua vida em Portugal, nasceu e morreu no Brasil, pelo que não é de excluir a possibilidade de ter feito registo de um hábito articulatório não extensível a Portugal. Não obstante, a consulta de dois dicionários elaborados em Portugal pode levar a pensar que esôfago coexistia com esófago. Assim, no dicionário de Eduardo Faria, publicado em 1851, só se apresenta esóphago, cujo acento gráfico sinaliza a vogal aberta, enquanto se grafa estômago, cujo acento circunflexo corresponde a uma vogal fechada. Deve assinalar-se, porém, que a 1.ª edição do dicionário de Caldas Aulete (1823-1878), em Lisboa em 1881, faculta uma representação fonética indicativa de que a palavra se pronunciava com o fechado.
Parece, portanto, que a palavra em questão admitiria duas variantes de pronúncia, mesmo em Portugal. Mas, ao virar do século, em 1899, o português Cândido de Figueiredo, na 1.ª edição do seu Novo Dicionario da Lingua Portuguesa, ainda antes da Reforma Ortográfica de 1911, registava a forma esóphago, cujo acento agudo marca abertura de vogal, por oposição ao registo de estômago, com acento circunflexo como indicação de vogal fechada; na 3.ª edição, de 1922, o lexicógrafo português regista duas formas, esóphago e esófago, aparentemente apenas com o intuito de apresentar a grafia antiga e a estabelecida pela (então) nova ortografia, pois não há alteração do acento agudo, que assinala abertura de vogal. Ainda em Portugal, em 1940, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa só consignava esófago, mais uma vez com acento agudo. Contudo, em 1947, o Vocabulário Ortográfico Resumido da ACL exibia esófago ao lado de esôfago, esta última forma acompanhada de uma observação, a de se tratar de forma brasileira. Mais tarde, em 1966, Rebelo Gonçalves, faria o mesmo no seu Vocabulário da Língua Portuguesa. Dicionários mais recentes, publicados em Portugal, mostram as duas formas, mas esôfago é sempre identificada como grafia não portuguesa – é o caso do Dicionário da Língua Portuguesa, da Texto Editora, de 2018, que junta a inicial P a esófago como abreviatura indicativa de esta ser variante do português de Portugal; e o do Dicionário Global da Língua Portuguesa (Lidel, 2014), de Jaime Nuno Cepeda Coelho, que também recolhe as duas variantes, desta vez deixando com esôfago a anotação de constituir uma variante brasileira.
Quanto a palavras escritas com ô, é verdade que são raras as que, no português de Portugal, apresentem esse grafema antes das letras m, n ou nh seguidas de letra vocálica. Mesmo assim, além de estômago, conta-se o caso raro do substantivo cômoro ou cômaro.
Relativamente ao fechamento de o antes de consoante nasal, apesar de se tratar de característica típica de dialetos brasileiros na sua globalidade, não é de excluir que também ocorra ou tenha ocorrido dialetalmente em Portugal1, enquanto, por contraste, no próprio Brasil, como diz o consulente, há dialetos em que esse o pode ter timbre aberto, como acontece no padrão português. É improvável que neste caso exista interferência do castelhano, porque esta língua não conhece fonologicamente o grau de abertura das vogais médias, isto é, não existe uma oposição clara entre o aberto e o fechado (cf. o caso bem conhecido do par avô/avó)2 ou entre o e aberto e o e fechado [cf. sede (lugar) vs. sede (necessidade de beber)]. Sobre a nasalidade de tais vogais no mesmo contexto, alguns dos atuais dialetos portugueses, sobretudo os meridionais, indiciam que em Portugal esse fenómeno terá sido mais frequente no passado.
1 Contudo, não foi possível (por enquanto) encontrar estudos que consubstanciem esta afirmação.
2 Sobre a pronúncia alemã de Antonius, mencionada pelo consulente, não foi possível consultar fontes que confirmem claramente a sua pronúncia com um o fechado. Trata-se de um nome latino cuja vogal tónica é um o longo, cujo timbre é geralmente identificado com o o fechado do português. De qualquer modo, a fonologia alemã é compatível com este fonema latino (cf. lohnen, «valer a pena», que exibe um o igual ou semelhante ao latino).