A palavra autarquia está já de tal maneira associada à administração local, que é legítimo pensar-se – como, aliás, o próprio consulente observa – que a expressão «autarquia local» se tornou redundante. Contudo, não se pode afirmar que «autarquia local» seja uma verdadeira redundância e que o seu uso esteja incorreto.
Por exemplo, o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa regista «autarquia local», a par de autarquia sem adjetivação, constituindo os dois termos uma subentrada de autarquia, a que se atribui a aceção de «pessoa coletiva territorial, dotada de órgãos próprios e com autonomia, que visam a prossecução dos interesses comuns da população». No Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, autarquia tem vários significados, nem todos conotados com a noção de poder regional, mas, entre eles, conta-se o de «entidade administrativa com órgãos próprios e que actua com autonomia em relação ao poder central», ilustrando-se o respetivo uso com a expressão «autarquia local». Neste dois dicionários, portanto, «autarquia local» vem a ser um tipo de autarquia. Porém, o dicionário da Porto Editora (em linha na Infopédia) já define autarquia apenas como gestão local, o que permite supor que juntar-lhe local corresponde a um pleonasmo: «1. entidade administrativa que prossegue os interesses de uma circunscrição do território nacional, através de órgãos próprios dotados de autonomia (em relação ao poder central), dentro dos limites da lei; 2. sistema económico de uma região que vive dos próprios recursos».
Não obstante, importa realçar que o uso da palavra autarquia não se reduzia – e ainda não se reduz – ao significado básico de «governo local», encontrando-se antes definida, de um modo mais genérico, como «governo autónomo; autonomia» (Cândido de Figueiredo, Novo Diccionario da Língua Portuguesa, 1913, em linha no Dicionário Aberto), em referência não só ao governo de uma circunscrição mas também ao de todo um país. Aliás, na Constituição da República Portuguesa, escreve-se «autarquias locais», e não simplesmente «autarquia».
Refira-se ainda que, do ponto de vista histórico, se verifica que autarquia acabou por se confundir com autarcia, pela fusão da significação deste último termo com a daquele, como propõe o Dicionário Houaiss em nota etimológica:«[autarquia do] grego autarkhía, as 'poder absoluto'; em dicionários e no uso da língua, autarquia tem sido tomado também por autarcia, e este, com origem no grego autárkeia, as 'qualidade ou estado de quem se basta a si mesmo ou faz alguma coisa por si mesmo, auto-suficiência' (ligado à filosofia), vem geralmente registrado como mera variante de autarquia; daí a ambigüidade do adjetivo autárquico, que abrange tanto a noção de autarquia + –ico quanto a noção que deveria ser de autárcico, ou seja, de autarcia + –ico; [...] formas históricas 1913 autarchia, 1913 autarquia.»
OBS.: A Miguel Faria de Bastos, consultor do Ciberdúvidas em linguagem jurídica, agradeço o seguinte esclarecimento:
«Tornou-se normal usar este termo como sinónimo de autarquia local. Portanto, popularmente falando, pode entender-se que em “autarquia local” o adjetivo é uma redundância. Em rigor jurídico, porém, já não será assim. Em Direito Administrativo, fala-se em autarquias locais, em autarquias institucionais e na autarquia soberana, que é o próprio Estado. São autarquias institucionais as entidades públicas ou de direito público (por exemplo, a Ordem dos Advogados, esta por sinal uma autarquia híbrida, por ter uma componente corporativa). Não se confundam com as entidades públicas ou de direito público as instituições de utilidade pública, como é o caso da Sociedade de Língua Portuguesa ou da Associação Portuguesa de Esperanto, que são associações de direito privado, com determinados privilégios legais atribuídos por diploma do Governo.»