Antes de entrarmos propriamente na questão apresentada, considero que seja importante revermos, a partir das indicações dos linguistas e gramáticos, as situações em que se prevê o uso das aspas.
Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 2002, pp. 657-659)» indicam-nos vários casos para o emprego das aspas:
«– no início e no fim de cada citação para distingui-la do resto do contexto;
– para fazer sobressair termos ou expressões, geralmente não peculiares à linguagem normal de quem escreve (estrangeirismos, arcaísmos, neologismos, vulgarismos, etc.);
– para acentuar o valor significativo de uma palavra ou expressão;
– para realçar ironicamente uma palavra ou expressão;
– para indicar a significação de uma palavra ou de uma frase, em geral de língua estrangeira;
– nos diálogos, para assinalar a mudança de interlocutor (emprego que em alguns escritores contemporâneos substitui o valor normal do travessão);
– para indicar o título de uma obra (ex.: Belinha acaba e ler “Elvira, a Morta Virgem” – Erico Veríssimo, C, 197)»
Por sua vez, Manuela Parreira e J. Manuel de Castro Pinto em Prontuário Ortográfico Moderno (Lisboa, Asa, 1985, p. 186), depois de se referirem à situação da citação, elucidam-nos também sobre a particularidade do uso de aspas ou comas nas «expressões ou palavras que de qualquer modo têm características especiais em relação ao contexto em que foram integradas», isto é, sempre que sejam «transportes de outro contexto».
Também em Saber Escrever, Saber Falar (Lisboa, Dom Quixote, 2003, pp. 195-196), Edite Estrela, Maria Almira Soares e Maria José Leitão realçam, de entre outros casos, que «o recurso às aspas com objectivo enfático deve restringir-se apenas aos casos de deslocação de sentido mais invulgares ou raros, devendo procurar-se que a ênfase pretendida seja dada, de preferência, pela própria força da palavra escolhida. Este uso de aspas para obter um efeito de destaque deve ser moderado, sob pena de a sua quantidade abusiva anular o objectivo pretendido».
Perante estas informações, damo-nos conta de que o caso apresentado pela consulente – um texto escrito em que surgem as palavras népia, seca, porreiro e pachorra – justifica o uso das aspas, uma vez que se trata de «termos ou expressões, geralmente não peculiares à linguagem normal de quem escreve (vulgarismos)» que, embora façam parte do quotidiano dos alunos, não se situam na norma, que é a que deve ser utilizada nos textos da escola. Não nos podemos esquecer de que uma da competências previstas nos programas de Português, para todos os níveis de ensino, é a da escrita, que implica que o aluno saiba escrever com correcção, o que pressupõe que conheça e utilize a norma linguística, mesmo que esteja no ensino básico. E é importante que tenha consciência de que os diferentes níveis de língua estão relacionados com as diferentes situações em que podem ser utilizados. E a linguagem familiar, a gíria e o calão pertencem, essencialmente, ao domínio da oralidade e são próprios de situações informais… Apesar de, hoje, querermos uma escola aberta e interactiva, isso não significa que se lhe retire o seu papel orientador da formação integral dos alunos. E tudo começa pela consciência do que é correcto, aceitável e incorrecto. E saber-se o que se pode, quando e como escrever/falar, a partir da interiorização das razões que estão subjacentes à norma, é determinante.
Portanto, tal como a consulente propusera, essas palavras podem ser utilizadas para representar uma determinada situação informal num texto escrito, mas deverão estar assinaladas pelas aspas, que as colocam numa posição de diferença, de desvio.