O uso de aquando sem preposição está correto, como também é legítimo e – pelo menos, hoje – mais corrente o emprego de «aquando de».
Relativamente às fontes indicadas na consulta, convém assinalar que no dicionário de Caldas Aulete se regista aquando não só como locução adverbial, mas também como conjunção, o que parece não aplicar-se ao caso em apreço. Também o registo no dicionário de Cândido de Figueiredo não parece ir ao encontro do uso de aquando, com ou sem de, antes de expressão nominal; com efeito, a definição da entrada de aquando nesta fonte resume-se a indicar que se trata de « conj. pop. Ant. Ao mesmo tempo que. Quando», o que significa que se contempla o emprego de aquando a introduzir oração, mas não a introduzir uma expressão nominal (ou, se quisermos, noutro tipo de terminologia, um sintagma nominal como acontece em «aquando a Restauração»).
Se o uso de aquando que aqui se discute é o associado a uma expressão nominal, então tem de se pensar numa preposição ou uma locução prepositiva.
Facultando registos de aquando como preposição, conta-se o Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa (1947, p. 246) e o Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), nos quais o autor, o filólogo Rebelo Gonçalves, exibe «aquando de» como locução prepositiva. É de notar que, nestas fontes, o que se regista é «aquando de», como locução, e não aquando, como preposição.
O gramático prescritivista Vasco Botelho de Amaral considerava incorreto o uso de «aquando de» – locução que ele grafa com o a separado, «a quando de» –, recomendando que formulações como «quando foi da revolução» e «quando/aquando da revolução» fossem substituídas por «quando foi a revolução» ou «quando se deu a revolução», que considera construções corretas (Grande Dicionário de Dificuldades e Subtilezas do idioma Português, 1958). No entanto, esta posição não é partilhada por outros autores prescritivistas: é o caso de Rodrigo de Sá Nogueira, em Dicionário de Erros e Problemas de Linguagem, que comenta «aquando de», não para censurar a presença de de, mas para manifestar alguma estranheza em relação à adjunção (prótese) de a-.
Procurando exemplos do aquando e «aquando de» (na secção histórica do Corpus do Português), observamos, no entanto, que «aquando de» é mais frequente em textos do século XX provenientes de Portugal (não ocorre em textos do Brasil), muito embora as ocorrências literárias sejam em menor número em comparação com as ocorrências em textos jornalísticos. A respeito de «aquando o/a(s)» + substantivo, os exemplos são escassos e, entre estes, os literários são praticamente nulos, havendo uma exemplo de Fialho de Almeida (1857-1911) que nem corresponde à sintaxe que parece mais típica de «aquando (de)»:
(i) «[..] os pais apenas as crianças podem trabalhar, enviam-nas para as obras, trocando assim pelo magro salário que elas lhe possam ganhar, toda a possibilidade duma educação artística plena, e proventos futuros necessariamente mais pingues que dela resultariam AQUANDO o operário formado pelo curso oficinal da escola e conhecimentos técnicos que paralelamente lhe fornece o curso científico.» (Fialho de Almeida, Os Gatos, VI, 1894)
Achamos exemplos relativamente recentes de «aquando de» em Maria Velho da Costa (1938-2021) e em Mário Cláudio (n. 1941), mas o exemplo mais antigo é de José Régio (1901-1969):
(i) «[...] nunca se contemplara o nosso belo príncipe senão enquadrada a sua formosura na sumptuosidade ou graça da indumentária: ora moldado nas malhas finíssimas dos seus fatos desportivos, nus os braços e pernas vigorosos; ora todo coberto de veludos, sedas, bordados, arminhos, rendas[...]; ora, AQUANDO DAS paradas, faiscante de oiro e galões dentro das suas fardas de moço oficial do exército e armada» (José Régio, Os Avisos do Destino, 1951)
É também possível detetar exemplos da palavra sem a prótese do a-, com a preposição de:
(iii) «Contaram-lhe, entretanto, que desde os quarenta e seis anos, idade que o Coronel teria QUANDO Do seu segundo casamento com Magda Pinheiro de Sousa [...]» (Francisco José Viegas, Troca de Correspondência)
Quanto a exemplos de quando sem preposição, é difícil identificá-los, uma vez que a sequência se confunde com as da conjunção quando a introduzir oração temporal.
Em suma, não foi possível aqui dispor de elementos que confirmem que «aquando o/a(s)» + substantivo seja uso mais correto que «aquando do/a(s)» + substantivo. Quanto a atestações de autores clássicos do português europeu, fica-se com a impressão de que este uso seria pouco comum na escrita oitocentista e que se desenvolveu no século XX, sobretudo em Portugal. Seria necessário levar mais longe esta pesquisa, mas este aprofundamento tem exigências que transcendem a capacidade deste espaço.
Agradece-se ao consulente a confiança no trabalho desenvolvido no Ciberdúvidas.