Em nome do Ciberdúvidas, começo por agradecer o apreço pela nossa opinião sobre este assunto. Gostaria, no entanto, de expressar o seguinte juízo sobre um dos eventuais pressupostos da pergunta – o de que existe, em abstrato, uma forma portuguesa correta para cada um destes topónimos.
Como vou explicar, a maior parte de tais topónimos não tem forma portuguesa correspondente fixada pela tradição, pelo que se torna muito difícil apresentar aqui como correto um nome português, sobretudo tendo em conta que as línguas de alguns dos topónimos apontados usam alfabetos não latinos que não têm ainda estabilizada a devida transliteração em língua portuguesa. Dito de outra maneira, há um problema prévio a resolver: perante certas línguas, a necessidade de dotar o português de critérios de transliteração que tenham reconhecimento, se não a nível oficial, pelo menos entre a generalidade das entidades que têm poder de decisão em matéria de norma linguística.
Posto isto, passo a comentar cada nome proposto, sobretudo com base nos vocabulários ortográficos que incluem a grafia de topónimos estrangeiros, a saber: o Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), de Rebelo Gonçalves, e o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (2009), coordenado por J. Malaca Casteleiro.
– Karlsruhe
Sem aportuguesamento nas fontes consultadas.
- Цетиње/Cetinje
Não existe aportuguesamento disponível nas fontes acima indicadas, mas documenta-se Cetinhe. Note-se que em línguas próximas do português há formas vernáculas para este nome. Por exemplo, o espanhol dispõe de Cetiña, e o italiano, de Cettigne; a primeira destas formas poderia aportuguesar-se como "Cetinha", forma não atestada; já a forma italiana encontra correspondente em Cetinhe, assim mesmo registada no Dicionário Prático Ilustrado, da Lello e Irmãos, Lda. (Porto, 1959). Não obstante, optando pela adaptação direta da forma montenegrina em alfabeto latino, Cetinje, também se poderia considerar adequada "Tsetínie" ou "Tsetinhe", dado que a sequência gráfica ts tem atualmente uso no português (tsar, tsé-tsé; cf. Dicionário Houaiss; Rebelo Gonçalves, no Vocabulário da Língua Portuguesa, propôs cecé como alternativa a tsé-tsé).
– ცხინვალი (Tskhinvali, em georgiano) ou Цхинвал (Tskhinval, em osseta e russo)
Não é habitual empregar os grafemas r ou rr ou para transcrever a fricativa velar surda representada em cirílico por x ou por kh na sua transliteração inglesa ou internacional, mesmo que aos referidos grafemas do português possa associar-se tal segmento fónico. Em português, criou-se a tradição de transliterar este kh por c antes de a, o e u, ou qu, antes de e, i e em final de palavra: Ха́рків/Kharkiv (ucraniano), Ха́рьков/Kharkov ~ Carcóvia; Nagorno-Karabakh ~ Alto Carabaque. Deste modo, poderia pensar-se em "Tsequinváli" ou "Tsequinval" ou até "Cequinváli" ou "Cequinval"; tudo são formas possíveis, mas a raridade deste nome nos textos escritos em português leva a pensar se não será mais simples aceitar a forma internacional em alfabeto latino, mesmo que esta tenha algum influxo da tradição ortográfica do inglês.
– სოხუმი (Sokhumi, em georgiano), Сухум (Sukhum, em russo), Sukhumi (forma inglesa)
Vale a pena verificar o que se fez em línguas próximas do português. Em espanhol, escreve-se Sujumi e Sujum (cf. Wikipédia), mas o uso da letra j para representar, como no caso, uma fricativa velar surda é uma especificidade da ortografia da língua em apreço, sem hipótese de ser transposta para o português. Porque não seguir o galego e adotar a forma inglesa, Sukhumi, dadas as diificuldades da ortografia do português em representar a fricativa velar surda? A menos que se queira seguir a tradição antes refrida, a de substituir kh por c ou qu, e propor Sucumi.
– Ստեփանակերտ (Stepanakert, em arménio), Xankəndi (azerbaijanês)
Em principio, nada impede que se crie a forma "Estapanaquerte", que está conforme as regras e os critérios da ortografia do português. Contudo, verifica-se que, mesmo em espanhol, língua sobre a qual se costuma crer que existe grande zelo vernaculizador, não parece encontrar-se a preocupação de hispanizar Stepanakert. Quanto à forma azeri Xankəndi, existe, como se aponta na pergunta, a forma inglesa e, no fundo, internacional Khankendi, na qual o grafema kh apresenta, mais uma vez, a vantagem de representar a fricativa velar surda que encontra em português as dificuldades já descritas. Mas pretendendo, mais uma vez, usar c ou qu para kh e até mesmo k, Canquendi.
– Tórshavn ou Thorshavn (Ilhas Feroé ou Faroé – cf. Código de Redação Interinstucional da União Europeia)
A primeira forma é feroesa; a segunda, dinamarquesa. Apesar do acento agudo sobre o ó em Tórshavn, não se pense que esse sinal, um diacrítico, marca o acento tónico – na ortografia do feroês, ó é um grafema, isto é, trata-se da representação de um segmento fonológico feroês. No entanto, neste caso, o grafema ó coincide com a vogal tónica da palavra. Refira-se que, além de Tórshavn e Torshavn, há também que contar com Torshavn, sem diacrítico, forma proposta pelo Código de Redação Interinstitucional. Observe-se, porém, que esta última forma levanta também problemas por não ser consistente com os princípios e regras da ortografia portuguesa (sequências h depois de s em meio de palavra e vn em posição final). Levando aos limites o aportuguesamento, com base na transcrição fonética do nome em feroês – ˈtʰɔuʂhaun –, poderá propor-se "Tórsaune" ou "Tossaune".