A frase em questão apresenta um uso do verbo julgar que envolve um predicativo do complemento direto (objeto direto) introduzido pela conjunção como e pela preposição em, de acordo com o esquema «julgar alguma coisa como/em (+adjetivo)». Trata-se de um uso que não encontra registo em dicionários, gramáticas ou guias de uso.
Não é este emprego de julgar claramente ilegítimo ou impossível – é-o, como bem exemplifica o consulente –, mas é de supor que tais ocorrências sejam marginais em relação à sintaxe típica deste verbo. Na verdade, mais corrente é julgar figurar em frases com as aceções de «imaginar, supor» associadas ao seu comportamento como verbo transitivo-predicativo, isto é, com um complemento direto e um predicativo do complemento direto sem preposição ou conjunção: «julguei estas frases verdadeiras».
Pode-se, em alternativa, empregar-se classificar, definir ou identificar no contexto em questão:
(1) «Classifique/defina/identifique as afirmativas como verdadeiras ou falsas.»
Note-se que o constituinte introduzido pela conjunção como é um predicativo do complemento direto (objeto direto no Brasil). Mas quer ocorra julgar, quer figure classificar na frase (1), não parece aceitável que ao predicativo do sujeito se junte a preposição em, o que não invalida que esta preceda um substantivo, conforme a frase (2), ou introduza um modificador do predicado (um adjunto adverbial no Brasil), de acordo com a frase (3):
(2) «Julguei-a na faculdade.»
(3) «Julgaram-no no tribunal mais antigo.»
Em (2), o verbo julgar é equivalente a pensar, pelo que a frase é equivalente a «julguei que ela estava na faculdade». Em (3), a interpretação pode depender do contexto: «alguém foi presente a julgamento no tribunal mais antigo», paráfrase que decorre de se considerar «no tribunal mais antigo» um modificador do predicado; mas igualmente possível é a leitura da frase nas mesmas condições de (2), ou seja, «pensaram que ele estava no tribunal mais antigo».
Outra construção em que participa julgar pode confundir-se com (2):
(4) «Julgaram-no como reincidente.»
Neste caso, o sentido de como é igual ou equivalente à locução «na qualidade de», «enquanto»: «Julgaram-no na qualidade de reincidente.»
Convém ainda dizer o aqui exposto se funda sobretudo no uso do português de Portugal. Quanto ao português do Brasil, mesmo nos dicionários brasileiros consultados não se atesta a possibilidade de ocorrência de julgar com um predicativo introduzido por como ou em. No entanto, é possível encontrar exemplos literários de julgar... como:
(5) «E se eu morresse agora, repentinamente? Iria ser julgado como benevolente a tal ponto que, perante tanta sujeira na alma pura de meu ser, faleceria diante do inexorável.» (Paulo Novaes, Mão de Luva, 1996, in Corpus do Português)
Observe-se, mesmo assim, que (5) não é incompatível com uma leitura semelhante à de (4): «iria ser julgado na qualidade de (pessoa) benevolente.»
Agradecemos as palavras finais.
1 Se a formulação apresentada está bastante generalizada no Brasil, bastante difícil será erradicá-la e substituí-la pela construção aqui indicada. Ficam, no entanto, as sugestões para quem for mais cioso da tradição de uso deste verbo.