DÚVIDAS

A próclise e a ênclise
com «ter que» + infinitivo:

Há algo que me assombra já faz um bom tempo, o uso da próclise após o que. Vejo em todos os lugares: legendas de filmes, conversas, palestras que sempre usam ênclise após o que. Por exemplo: «temos que fazê-lo»; «temos que matá-lo»; «você tem que editá-lo».

Pelo que aprendi, o que é uma partícula que força o uso da próclise.

Gostaria de saber se nesses casos o que prevalece seria outra regra. E se há outra regra para os variantes: «temos de fazê-lo»; «temos de matá-lo»; «você tem de editá-lo».

Agradeço desde já.

Resposta

Nos casos apresentados, é aceitável o uso tanto da ênclise do pronome como da próclise, ou seja, o pronome átono pode ser colocado tanto depois do verbo no infinitivo como antes do verbo no infinitivo1.

As construções «ter que / haver que» e «ter de / haver de»2 são equivalentes e têm comportamentos sintáticos similares no que respeita à colocação do pronome átono na oração infinitiva introduzida por que ou pela preposição de. Assim, nestes casos, é possível tanto a próclise (que é habitualmente considerada a opção mais normativa, pois que e de são atratores de próclise):

(1) «Tenho de/que o convidar.»

como a ênclise:

(2) «Tenho de/que convidá-lo

A própria literatura evidencia, nestes casos, uma oscilação de usos entre a ênclise e a próclise:

(3) «É muito importante, tenho que me ir embora.» (Agustina Bessa Luís, Os incuráveis)

(4) «Tenho de me conformar: os homens do meu género estão todos casados.» (Rita Ferro, Por tudo e por nada: crónicas)

(5) «Tenho que fazer-lhe alguma coisa.» (José Rodrigues Miguéis, Páscoa Feliz)

(6) «[…] por isso não me adianta nada procurar resposta ao Porquê na história a que chamam verdadeira, tenho de inventá-la eu próprio» (José Saramago, História do Cerco de Lisboa)

Disponha sempre!

 

1. cf. Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 2280-2283.

2. Embora exista uma tradição gramatical que considera a forma «ter de» como a correta, os dicionários apresentam as expressões «ter de» e «ter que» como variantes: cfr., por exemploDicionário da Língua Portuguesa Contemporânea.

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