DÚVIDAS

A pontuação nas interjeições

Observai, por favor, a frase abaixo escrita de quatro formas diferentes:

«Ah, que vida boa!»

«Ah que vida boa!»

«Ah! que vida boa!»

«Ah! Que vida boa!»

A respeito destas quatro formas tenho as seguintes dúvidas:

Coloca-se vírgula ou ponto de exclamação depois da interjeição? E não colocar nada (segundo exemplo) seria correto?

Colocar duplamente o ponto de exclamação, depois da interjeição e ao final da frase (terceiro e quarto exemplos) seria certo? Penso que, ao menos no final da frase, o ponto de admiração seja de uso obrigatório. Engano-me?

A primeira palavra depois do ponto de admiração deve ou não vir com inicial maiúscula (quarto exemplo)?

Para que eu fique mais seguro a respeito do assunto, por favor, deem-me exemplos usando as frases acima e outras análogas, inclusive com verbo(s) e com outras interjeições.

Para além de tudo isto, gostaria de obter as regras completas de quando se usa e de quando não se usa maiúscula depois do ponto de exclamação.

Que o iluminante Ciberdúvidas ilumine tudo como de hábito.

Resposta

Tendo como referência a norma, a frase mais correta é a última — «Ah! Que vida boa!»

Segundo Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo, 17.ª ed., Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 588), «na escrita, as interjeições vêm de regra acompanhadas de ponto de exclamação (!)», uma vez que a reação emotiva expressa pela interjeição (Ah) pressupõe a utilização de um sinal de pontuação cuja entoação acentue «a inflexão da voz e a duração das pausas pedidas por certas formas exclamativas», de modo a «sugerir a mímica emocional que as acompanha» (idem, p. 653).

Se tivermos em conta, também, que o ponto de exclamação, enquanto sinal de valor melódico, pretende recriar as diferentes tonalidades da inflexão exclamativa e, consequentemente, representar sentimentos, emoções ou reações fortes do sujeito que enuncia a frase, evidenciando-se como «expressão de espanto, de surpresa, de alegria, de entusiasmo, de cólera, de dor, de súplica, ou de outra natureza» (idem, p. 652), apercebemo-nos de que a 4.ª frase apresentada pelo consulente — «Ah! Que vida boa!» —, em que o ponto de exclamação surge, em primeiro lugar, após a interjeição «Ah» e, depois, a pospor um enunciado em que estão evidentes sentimentos de alegria, de euforia e de entusiasmo, é, não sem dúvida, a frase mais correta.

Não podemos esquecer-nos também de que essa frase tem a particularidade de concentrar dois enunciados que transparecem sentimentos súbitos e espontâneos cuja representação gráfica se manifesta através do ponto de exclamação. Por um lado, pela singularidade que caracteriza qualquer interjeição que, «espécie de grito com que traduzimos de modo vivo as emoções» (idem, p. 587), equivale a «frases emocionais» (idem, p. 588). E a interjeição ah é classificada por Cunha e Cintra como uma interjeição de alegria, de espanto ou de surpresa (p. 587), o que nos retira qualquer dúvida que ainda pudéssemos ter sobre a legitimidade da utilização do ponto de exclamação! Por outro lado, a expressão «Que vida boa» explicita a reação do sujeito e acentua o entusiasmo com que foi dita, o que implica a utilização do sinal de pontuação de entoação exclamativa que traduza o efeito desejado. Exemplos:

«Ah! Pérfido! Se os teus olhos não lhes respondem mais, para sempre! Triste! Triste da abandonada!» (Mário de Andrade, OI, 162)

«Ah! Minha Nossa Senhora, para que Felícia veio falar dessas histórias agora de noite?!» (Coelho Neto, OS, 926)

Geralmente, após o ponto de exclamação, usa-se a maiúscula.

No entanto, tem-se visto com alguma frequência a vírgula após a interjeição, como é o caso de uma frase citada na obra citada — «Ah, é a senhora?! Pois entre, a casa é sua...» (Aníbal Machado, HR, 86) —, do que se infere que esta pontuação não é considerada incorreta. Depreende-se, portanto, que a 1.ª frase — «Ah, que vida boa!» — é aceite pelos gramáticos.

De qualquer modo, ao usar-se a vírgula após a interjeição esbate-se a força enunciativa que um sentimento forte exterioriza. Nesta frase, é a satisfação (e não a euforia) que predomina, uma satisfação fruto do equilíbrio e do bem-estar.

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