O excerto que apresenta é de análise difícil e, eventualmente, controversa, pois não se trata de um período tipicamente analisado em sintaxe, pela pontuação usada e pela entoação que implica.
Evanildo Bechara, na Moderna Gramática Portuguesa, associa período a enunciado e refere que os enunciados podem ter designações diversas, dependendo do sentido que pretendem veicular: declarativo ou enunciativo, interrogativo, imperativo-exortativo, vocativo e exclamativo (p. 407 – 37.ª ed., 2001).
Bechara diz ainda que «Entre os tipos de enunciados há um conhecido pelo nome de oração, que pela sua estrutura, representa o objeto mais propício à análise gramatical, por melhor revelar as relações que seus componentes mantêm entre si, sem apelar fundamentalmente para o entorno [situação e outros elementos extralinguísticos] em que se acha inserido. É neste tipo de enunciado chamado oração que se alicerça, portanto, a gramática…» (p. 407 – 37.ª ed., 2001).
Se for seguida a descrição de Bechara, idealmente, não se selecionam exemplos como o que está em análise para estudar, salvo num nível muito elevado…
Feita esta ressalva, tentar-se-á analisar o exemplo em apreço, tendo consciência de que essa análise poderá ser objeto de polémica e interpretação diferente.
Vejamos ponto a ponto:
1) Há oração nos termos «Ai!» e «Que preguiça!»?
Bechara distingue os conceitos frase e oração, aproximando frase de enunciado num nível extrassintaxe e considerando oração «uma unidade onde se relacionam sintaticamente seus termos constituintes e onde se manifestam as relações de ordem e recção que partem do núcleo verbal e das quais se ocupa a descrição gramatical» (p. 540, 37.ª ed.).
A interpretação deste breve excerto «Ai! Que preguiça!...», se o observarmos seguindo a definição de Bechara, pode levar-nos a considerar a existência de dois enunciados interligados e com forte peso da situação envolvente, isolados pela pontuação.
Estes enunciados podem ser encarados como enunciados breves e não como orações, sendo «Ai!» uma interjeição e «Que preguiça!» uma locução interjetiva.
2) Se houver, quais os verbos estão implícitos?
Enunciados como os que estão em apreço, são descritos por Bechara como «frases elíticas quase sempre de valor nominal, resíduos de orações sintaticamente incompletas ou truncadas. Que devem ser tratadas no rol dos enunciados independentes sem núcleo verbal, ao largo de qualquer restituição corretiva do ponto de vista sintático» (p. 541, 37.ª ed.).
No caso do enunciado constituído pela locução interjetiva «Que preguiça!» poderia considerar-se elidido o verbo tenho, ou sinto...
Já em relação à interjeição «Ai!» não parece haver qualquer verbo potencialmente subentendido.
3) Quantas orações existem no período?
Considerando o que é dito acima, do ponto de vista sintático, em «Si o incitavam a falar exclamava: – Ai! Que preguiça! ... e não dizia mais nada.» estamos perante quatro orações, que têm como verbo respetivamente «incitava», «falar», «exclamava» e «dizia», correspondentes a: «Si o incitavam a falar exclamava… e não dizia mais nada.»
Analisando este excerto do período em análise, percebe-se que falta algo, pois aqui, o verbo exclamar é transitivo e completa-se com um objeto direto. Estruturas deste tipo estão previstas no Dicionário Prático de Regência Verbal, de Celso Luft, no qual o verbo exclamar «pode ser intransitivo e transitivo sendo o objeto direto apresentado com a estrutura do exemplo em apreço: «A tua profecia não me tenta – exclamava a educanda.» «Parabéns, parabéns! – exclamou Fr. Lourenço cheio de júbilo.»
Na estrutura em análise, o objeto direto é constituído pelos enunciados interjetivos «Ai! Que preguiça!»
O período tem, pois, quatro orações com diferentes relações:
Duas orações coordenadas entre si: «exclamava: –Ai! Que preguiça!... e não dizia mais nada.». Estas mesmas orações constituem-se como subordinantes em relação à subordinada adverbial condicional «Si o incitavam a falar…», que, por sua vez, contém, com a função de objeto indireto, a oração reduzida infinitiva «a falar».
4) O período é misto?
Considerando misto um período em que surgem orações coordenadas e subordinadas, sim, este período é misto.
5) A oração «Si o incitavam a falar» é oração subordinada adverbial condicional?
Antes de responder à pergunta, salienta-se que a conjunção subordinativa condicional é, habitualmente, grafada como se e não como si1…
Como vimos acima, em «Si o incitavam a falar…» há duas orações, desempenhando a oração reduzida infinitiva «a falar» a função de objeto indireto. No seu conjunto, a frase é uma oração subordinada condicional.
O exposto acima ilustra a complexidade da estrutura em análise, potencialmente um bom exercício para níveis elevados de conhecimento gramatical, mas dissuasor em níveis menores de proficiência.
1 É bem possível esta forma seja uma brincadeira ou, talvez, o registo livre de uma pronúncia de Mário de Andrade (1893-1945) neste brevíssimo trecho da obra Macunaíma (1928).