A oração «que se fie no homem» é uma subordinada adverbial consecutiva.
Para facilitar a análise, começaremos por colocar a frase apresentada na polaridade afirmativa:
(1) «Há animais tão grandes que se fiam do homem.»
No sentido de esclarecermos a relação da oração «que se fiam do homem» com a subordinante, teremos de determinar a função do advérbio de grau tão. Assim, verificamos que, se o omitirmos da frase, o sentido da frase passa a ser diferente do expresso na frase (1):
(2) «Há animais grandes que se fiam do homem.»
Na frase (2), a oração «que se fiam do homem» é uma subordinada adjetiva relativa restritiva, que delimita um conjunto de «animais grandes» que se caracterizam por confiar no homem.
Na frase (1), está presente um sentido diferente, na medida em que a oração «que se fiam do homem» expressa uma consequência do tamanho dos animais, ou seja, o facto de os animais serem grandes tem como consequência o facto de estes não terem medo dos homens. Neste caso, a oração em apreço será uma subordinada adverbial consecutiva, que depende do advérbio de grau tão.
A diferença entre as frases (1) e (2) e entre as orações iniciadas por que nelas presentes fica patente também na negação que permitem:
(1a) «Não há nenhum animal tão grande que se fie no homem.»
(2a) «Não há nenhum animal grande que se fie no homem.»
Verifique-se, ainda que não é possível elidir o advérbio de grau da frase (1a), pois a oração subordinada depende dele:
(1b) «* Não há nenhum animal grande que se fie no homem.»1
A bem da interpretação do texto de Padre António Vieira, cabe ainda aqui acrescentar que o termo elidido na expressão apresentada é o nome peixes e não, como afirma a consulente, o nome animais, conforme se pode verificar pela apresentação do excerto da obra:
«Os peixes, pelo contrário, lá se vivem nos seus mares e rios, lá se mergulham nos seus pegos, lá se escondem nas suas grutas, e não há nenhum tão grande que se fie do homem, nem tão pequeno que não fuja dele.»
Padre António Vieira, Sermão de Santo António (aos peixes) e Sermão da Sexagésima. in http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/vieira.htm
Disponha sempre!
1. Não obstante o que ficou afirmado na resposta dada, deixamos aqui em aberto a possibilidade de existir alguma ambiguidade na interpretação da frase em análise, na medida em que nos textos de Padre António Vieira é possível identificar um uso de tão com um valor próximo do advérbio muito, como se verifica em «Dos animais terrestres o cão é tão doméstico, o cavalo tão sujeito, o boi tão serviçal, o bugio tão amigo ou tão lisonjeiro, e até os leões e os tigres com arte e benefícios se amansam.» Esta situação levanta a possibilidade de o advérbio tão poder funcionar não como um antecedente da oração subordinada consecutiva, mas como um advérbio que marca o grau do adjetivo. A ser possível esta interpretação, poderíamos, neste caso, considerar a oração «que se fie no homem» como uma subordinada relativa restritiva.