A expressão não se deve ao texto mencionado, que, em verdade, é um conto, e não um romance, que faz parte de um volume intitulado em italiano Vita dei Campi, do autor siciliano Giovanni Verga (1840-1922)1.
A expressão «ruço de mau pelo» ou «ruço de má pelo» – em Portugal, frequentemente completado com a sequência «quer casar, não tem cabelo» –, encontra paralelo noutras línguas da Europa, como é o caso do italiano, só que em referência não a gente ruça, ou seja, de cabelo loiro, mas, sim, a pessoas de cabelo ruivo. Trata-se de um dito associado a uma superstição abordada num conjunto de apontamentos publicado em 1918 na Revista Lusitana (RL):
«Quanto à aversão manifestada contra os ruivos [nos] provérbios, parece que ela se funda na crença de que Judas era ruivo – crença corrente em Portugal e que em França deu origem à locução avoir un poil de Judas, isto é, ter os cabelos ruivos.» (José Maria Adrião, "Retalhos de um Adagiário", RL, vol. XIX, p. 42)
Acrescente-se que ruço pode significar não apenas «loiro», mas também «ruivo» em alguns dialetos portugueses (por exmplo, em Trás-os-Montes e no norte da Beira Interior)2 Além disso, a literatura portuguesa do final da Idade Média também documenta o preconceito contra os ruivos, como sucede na Crónica de D. Fernando, de Fernão Lopes (1380-1460), segundo José Maria Adrião no artigo já citado:
«Vem a propósito um caso contado por Fernão Lopes, e que revela a má conta em que já no século XIV eram tidos os ruivos: Quando Henrique II, de Castela, deliberou invadir o nosso país, para responder à acção do rei português D. Fernando I, que, aliado com o duque de Lencastre, pretendia despojá-lo da coroa, alguns homens do seu conselho, mais tímidos e de vistas menos largas, opinavam que a guerra fosse adiada, alegando para isso várias razões. "El-rei, quando viu (diz Fernão Lopes) que todos eram daquele acordo, e nenhum desviava dele, deu-lhes em resposta dizendo: 'Ou vós todos estais bêbados, ou sandeus, ou sois traidores.' – 'Não já eu, senhor, disse o bispo porque não sou ruivo.' – 'Ah! bispo, disse el-rei, por mim dizeis vós isso'. porque el-rei era branco e ruivo. – 'Não, senhor, disse ele, mas por este que aqui está': a saber Pero Fernandez de Velasco, que estava junto com ele, que era um pouco como ruivo...'".»
O preconceito contra quem tem cabelo ruivo encontra-se até, talvez surpreendentemente, num adagiário sefardita, em ladino ou judeo-espanhol, sob a forma «Rozho de mal pelo, cavesa de codredo», correspondente ao espanhol «pelirrojo [ruivo] de mal pelo, cabeza de cordero» e ao francês «roux [ruivo] au mauvais poil, tête de mouton»3. E, quanto ao italiano, é ainda José Maria Adrião que parece dispensar informação relevante, reunindo alguns provérbios de diferentes regiões de Itália, dos quais se salienta um do Véneto, com clara afinidade com a expressão portuguesa: «Rosso dal mal pelo, cento diavoli per cavèlo.»
Enfim, «ruço de mau/má pelo» é expressão antiga, que remonta à história sombria das superstições e dos preconceitos da velha Europa.
1 Não foi possível encontrar uma tradução deste conto para português. Uma versão em espanhol encontra-se nos Google Books.
2 Cf. A. M. Pires, Língua Charra: Regionalismos de Trás-os-Montes e Alto Douro, Lisboa, Âncora Editor, 2013 e Vítor Fernando Barros, Dicionário de Falares das Beiras, Lisboa, Âncora Editora/Edições Colibri, 2010.
3 Jesús Cantera Ortiz de Urbina, Diccionario Akal del Refranero Sefardí, Madrid, Ediciones Akal, 2004, p. 323, onde se esclarece que o dito se refere aos ruivos, atribuindo-lhes um caráter difícil e mal-intencionado. Nesta obra registam-se ainda variantes com a forma ruvio, que será cognata do português ruivo, embora pela forma se aproxime do castelhano rubio, «loiro».