A conjunção embora tem uma flexibilidade, digamos assim, maior do que, por vezes, os manuais de gramática reconhecem ou apresentam. Na verdade, se ocorre maioritariamente com conjuntivo, construções em que surge seguida de gerúndio, de particípio, de adjectivo e, mesmo, de infinitivo são comuns e aceites pela norma. Pode ainda ocorrer numa posição que não é o início absoluto da oração como pode ver-se no exemplo 6:
2. «Embora satisfeita, não deixou de assinalar alguns aspectos negativos.»
3. «Embora estando escuro, decidi ir ao jardim.»
4. «Embora sem estar presente, a sua opinião foi respeitada.»
5. «Embora não sendo um nome comum, Aziz faz parte da lista de nomes admitidos em Portugal.»
6. «Não sendo embora um nome comum, Aziz faz parte da lista de nomes admitidos em Portugal.»
7. «Não sendo um nome comum, Aziz faz parte da lista de nomes admitidos em Portugal.»
8. «Embora fazendo parte da lista de nomes, Aziz não é um nome comum.»
A título de curiosidade, devo dizer que a frase que escrevi é muito interessante, não por ter o verbo no gerúndio, mas pelas características da frase complexa no seu conjunto. Nas frases complexas em que há uma subordinação concessiva, há, habitualmente, uma ideia de contraste, ou de contraposição, entre a subordinante e a subordinada. Ao enunciar-se a subordinante, o receptor da mensagem tem tendência para prever uma conclusão que é desmentida pela concessiva. Ilustro com a frase 5 que inicia a resposta em apreço. Ao afirmar que «Aziz faz parte da lista de nomes admitidos em Portugal», o receptor da mensagem poderá pensar que se trata de um nome comum. Porém, a oração concessiva desmente, ou contraria, esta possibilidade, ao afirmar que não é um nome comum. Este facto levou Evanildo Bechara a afirmar, num estudo intitulado Estudos sobre os meios de expressão do pensamento concessivo em português, 1954, que a concessiva (talvez a mais recente na história das frases complexas) nasceu quando o homem percebeu que poderia antecipar-se ao seu antagonista e anular os seus argumentos mesmo antes de ele os enunciar. No fundo, nasceu com o discurso argumentativo. Além disso, em frases complexas em que há concessão, como na maioria das frases complexas, não é, habitualmente, possível trocar a ordem das orações, ou seja, transformar a subordinante em subordinada, e vice-versa, sem que esse fa{#c|}to altere profundamente o sentido global. Ora, acontece que, na frase que escrevi (e é isso que, a meu ver, a torna original), essa troca é possível sem grande alteração de sentido, como se pode verificar, analisando o exemplo 8 e comparando-o com 5. Estamos, pois, perante uma das poucas concessivas em que há “comutabilidade”, ou seja, em que a concessiva pode ser qualquer das frases. E essa possibilidade mantém-se se a concessão for (como é muitas vezes possível fazer) transformada em coordenação adversativa:
10. «Faz parte da lista, mas não é um nome comum.»
Por outro lado, se o conjuntivo (exceptuadas as construções com as formas nominais e com adjectivos) é o único modo aceite pela norma, hoje, nas concessivas, ainda no início do século XX, em 1918, Epifânio da Silva Dias, na Gramática Histórica, p. 214, reconhece a possibilidade de se usar o indicativo (na Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto, as concessivas estão construídas com indicativo…) quando a mensagem a veicular é real. Esta interpretação surge ainda em gramáticas dos anos 30. E o uso mostra-nos, ainda hoje, frases que consideramos incorrectas por conterem o verbo no indicativo… Exemplifico com duas citações, consideradas erradas, da comunicação social:
RTP1, 13-06-2002
12. «Verificada a carência, e embora no próximo ano lectivo entram em funcionamento 13 novas salas de jardim de infância, a Câmara de Lisboa prevê construir nos próximos quatro anos mais 12 equipamentos equivalentes…»
A Capital, 15/5/2002, p. 4
Nos dois exemplos citados, a conjunção é embora, que, curiosamente, é, para Epifânio, na Gramática Histórica já citada, a única para que recomenda exclusivamente o conjuntivo…