A descrição gramatical tradicional classifica «por isso» como uma locução, muito embora haja divergências quanto ao seu caráter funcional, que umas fontes definem como conjuncional e outras como adverbial. Atualmente, porém, a sua inclusão entre os advérbios e as locuções adverbiais tem maior favor, pelo menos, em Portugal, no contexto da descrição gramatical não universitária –ver Dicionário Terminológico (DT).
No quadro tradicional de análise, há quem mencione «por isso» entre as conjunções coordenativas conclusivas (cf. Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, João Sá da Costa Editores, p. 577). Contudo, diga-se que a expressão «por isso» está classificada como locução adverbial no verbete correspondente a isso do dicionário da Academia das Ciências de Lisboa1. Por outro lado, mesmo entre gramáticos tradicionais, não é aceite a inclusão de «por isso» entre as conjunções – ou, mais especificamente, entre as locuções conjuntivas, dado a sequência «por isso» estar formada por duas palavras. Por exemplo, Evanildo Bechara, na sua Moderna Gramática Portuguesa (Editora Nova Fronteira/Editora Lucerna, 2009, pág. 322) considera que, na coordenação, existem unidades adverbiais que não são conjunções, observando o seguinte:
«Levada pelo aspecto de certa proximidade de equivalência semântica, a tradição gramatical tem incluído entre as conjunções coordenativas certos advérbios que estabelecem relações interoracionais ou intertextuais. É o caso de pois, logo, portanto, entretanto, contudo, todavia, não obstante. Assim, além das conjunções coordenativas já assinaladas, teríamos as explicativas (pois, porquanto, etc.) e conclusivas (pois [posposto], logo, portanto, então, assim, por conseguinte, etc.), sem contar contudo, entretanto, todavia, que se alinham junto com adversativas. Não incluir tais palavras entre as conjunções coordenativas já era lição antiga na gramaticografia da língua portuguesa; vemo-la em Epifânio [...] e, entre brasileiros, em Maximino Maciel, nas últimas versões de sua gramática [...]. Perceberam que tais advérbios marcam relações textuais e não desempenham o papel de conector das conjunçõos coordenativas, apesar de alguns manterem com elas certas aproximações ou mesmo identidades semânticas.»
Com Bechara, poderá, então, dizer-se que «por isso» é não uma locução conjuntiva, mas – para usar um termo empregado pelo gramático – uma «unidade adverbial» (idem, ibidem). Deste prisma, afigura-se, portanto, legítimo encarar «por isso» como uma locução adverbial.
Refira-se que, no âmbito do DT, destinado a apoiar o estudo da gramática nos ensinos básico e secundário em Portugal, é possível relacionar «por isso» com os advérbios conectivos; atendendo a tratar-se de uma sequência de palavras, a expressão é classificável como uma locução adverbial conectiva. Na perspetiva da comunicação e interação discursivas (ver domínio respetivo no DT), «por isso» pode ainda ser enquadrado nos conectores conclusivos e explicativos2, assim exemplificados na fonte em referência: «conectores conclusivos e explicativos: por consequência, logo, portanto, de modo que, donde se segue, etc. [...].» Refira-se ainda que duas gramáticas escolares também mencionam a locução «por isso» entre os exemplos do tipo de conectores em apreço – trata-se de Domínios – Gramática da Língua Portuguesa (Plátano Editora, 2011, p. 279) e Nova Gramática Didática de Português (Santillana/Constância, 2011, p. 280).2
1 O Dicionário Houaiss igualmente classifica «por isso» como locução, sem definir o seu caráter funcional, mas atribuindo-lhe o significado de «por essa razão; por esse motivo».
2 A Gramática do Português (GP) da Fundação Calouste Gulbenkian (2013, págs. 1810/1811) apresenta «por isso» entre uma série de itens que classifica como «conectores de valor conclusivo»: assim, logo, pois, por conseguinte, por consequência, por isso e portanto. Na referida gramática, os termos conjunção e conector são assim definidos: «[A]inda que uma conjunção seja, informalmente, um "conector" entre palavras, sintagmas ou orações, o termo "conjunção" designa uma classe gramatical que se caracteriza por um determinado número de propriedades gramaticais particulares [...]; em contrapartida, o termo mais amplo "conector" designa uma coleção heterogénea de palavras ou locuções pertencentes a classes diversas e com propriedades gramaticais distintas, que partilham com as conjunções a função de estabelecer uma conexão entre constituintes de vários tipos, incluindo, por vezes, orações. Para dar um exemplo no domínio da coordenação [...], porém é um conector (cf. a Maria é inteligente, porém não trabalha), mas gramaticalmente tem as propriedades de um advérbio [...].» Note-se ainda que, ao referir os conectores de valor conclusivo, a GP considera que «por isso» desempenha sintaticamente a função de adjunto adverbial periférico de natureza preposicional. Mesmo assim, nesta fonte, «por isso» não parece ser comentado enquanto sintagma que mantenha a individualidade dos seus constituintes; pelo contrário, as passagens consultadas antes sugerem que a sequência em apreço é uma locução, ou seja, uma associação de palavras que se fixou e se comporta como uma só palavra.
3 Esta é uma nova versão (29/03/2016) do texto inicialmente apresentado ao Ciberdúvidas. As alterações foram suscitadas pelos comentários críticos do professor Jorge Baptista (ver N. E., infra), os quais muito agradeço, sobretudo por me chamarem a atenção para alguns aspetos que era preciso clarificar melhor. Realço que, na resposta, procuro dar conta apenas do que pode ser (ou tem sido) a classificação da sequência «por isso» na gramática tradicional e, em Portugal, no âmbito do DT.
N. E. (29/03/2016) – A resposta foi alterada na sequência de comentários que foram enviados pelo professor Jorge Baptista (Universidade do Algarve) e que a seguir se transcrevem:
«A expressão "por isso" :
1. não é uma locução (no sentido em que este termo designa unidades lexicais compostas por mais do que uma palavra), mas sim duas unidades lexicais. Compare-se as expressões compostas/locuções "por isto e por aquilo", "por tudo e por nada", etc. estas sim, expressões fixas/idiomáticas (ou locuções). As palavras por e isto formam um complemento preposicional, com valor adverbial (causa), modificando a oração/frase em que se encontra.
2. As frases com «por isso» podem ser regularissimamente derivadas a partir de «O Pedro fez isso por isso», por anteposição do complemento causal: «Por isso, o Pedro fez isso.»
3. O pronome indefinido isso tem valor deítico/anafórico, referindo-se a (um trecho do) discurso anterior.
4. Dada a sua natureza adverbial como modificador de toda a frase, «por isso» tem grande mobilidade na frase. Por outro lado, não é afetado pela negação do predicado da frase onde se encontra: «Por isso, o Pedro (não) fez isso.»
5. Devido ao valor anafórico de isso, a frase só pode ser produzida depois de o antecedente de isso ter sido expresso no discurso anterior.
6. Dada a relação anafórica que se estabelece com esse discurso, a expressão, com valor adverbial, assemelha-se a advérbios com valor conjuncional, isto é, advérbios cuja função se assemelha à das conjunções mas, ao contrário destas, em vez de ligarem orações dentro da mesma frase, ligam a frase em que se encontram à frase ou discurso anterior. Outros exemplos: consequentemente, assim, etc.
7. O termo conector é mais vago do que o conceito de categoria gramatical advérbio, pois uma preposição também é um elemento conector (entre os constituintes de uma frase), tal como a conjunção o é entre orações. A vagueza (vacuidade?) terminológica em nada contribui para a clareza dos conceitos.
8. Finalmente, a confusão com o conceito de locução pode ser devida a palavras como portanto, com um valor adverbial e um significado semelhante, formada igualmente pela preposição por e pelo pronome indefinido tanto (hoje quase em desuso) e cuja ortografia aglutinada (ainda que irrelevante para a determinação das propriedades formais e semânticas da expressão) parece indicar que o processo de cristalização já estará mais avançado ou já se terá mesmo consumado.
Sobre as locuções adverbiais e os advérbios conjuntivos, veja-se, entre outros:
M.Gross ( 1986) Syntaxe de l'Adverbe, Paris:ASSTRIL.
Molinier & Levrier (2000) Les adverbes en -ment, Paris: Seuil.
Costa (2008) O Advérbio em Português Europeu. Lisboa: Colibri.
Palma (2009) Expressões fixas adverbiais: descrição léxico-sintáctica e subsídios para um estudo contrastivo português-espanhol, Faro: UALG.»