DÚVIDAS

Grafiteiro
Na vossa resposta à pergunta Os graffiti é indicado que graffiti é um estrangeirismo, e que «[e]m português, para designar o mesmo, temos o termo grafito, já existente em dicionários portugueses desde o século XIX, com o significado de "inscrição em paredes ou monumentos antigos" e que ganhou também aquele significado mais recente». O que me deixa com uma nova dúvida: como designar o autor sem recorrer ao estrangeirismo graffiter?
Parecer com complemento indireto
Já li as respostas à questão da subclasse do verbo parecer e concordo com os argumentos, mas no livro Cão como nós de Manuel Alegre surge a seguinte frase: «... o canil que lhe parecia uma prisão.» Podemos considerar que nesta frase o verbo é transitivo? Se não podemos, que função sintáctica desempenha o pronome lhe? Agradeço desde já a atenção dispensada ao assunto. Muito obrigado.
«A consumanda vida» (Ricardo Reis)
Quem lê Ricardo Reis sabe da necessidade de se colocarem umas gotitas de óleo no mecanismo da reflexão semântica, antes mesmo de se pôr o motor a carburar! E pode ser que, pelo tubo de escape, lá se expilam quaisquer grãos de chumbo que perdurarão pesados, rolando incessantemente pelo asfalto... Estando eu, portanto, a passar os olhos por uma dessas venerandas ;) odes ricardinas – sem qualquer pretensão de análise linguística, diga-se de passagem –, eis que o sino toca e a igreja se enche, repleta! Transcrevo o excerto que me serviu de inspiração para as posteriores análises: «Nem vã sperança nem, não menos vã, / Desesperança, Lídia, nos governa / A consumanda vida. // Só spera ou desespera quem conhece / que há-de sperar. Nós, no labento curso / Do ser, só ignoramos. [...]» Nesta passagem, a latinidade de R. R. vem à tona por meio daquela recusa contundente em não se permitir o "bárbaro" uso da vogal protética e daquele partícipio presente «labento» que escapa aos verbetes de dicionário1. Mas onde a fineza de estilo mais transparece é mesmo no uso do gerundivo «consumanda». Do que me relembro, conjugam-se neste adjectivo verbal (a) quer um valor modal deôntico de obrigação, (b) quer um valor diatético passivo no futuro (será por isso que certos latinistas falam do gerundivo como sendo uma espécie de particípio futuro passivo...). Parece, contudo, que, segundo a interpretação que escolhamos, isso nos levará a cambiantes de sentido diferentes. Aceitando (a), contraria-se de certa forma o ideal de ataraxia, pois impele-se à acção. Pelo contrário, aceitando (b), o poeta referir-se-ia à «única certeza das nossas vidas» – o seu carácter efémero, aqueles estandartes com que publicita o seu próprio fim. Afinal, como ficamos? Tudo isto me faz lembrar aquelo verso camoniano «... d'aspeito venerando...». Lendo-o à luz deste novo matiz (i. e. como se tratando da reminiscência de um particípio futuro passivo), parece que o autor quase que prevê que os receios do Velho se vão concretizar (e se não concretizaram?). Certamente que, contrariamente ao que apregoam bafientos dicionários, 'venerando' não poderá ser apenas um sinónimo de 'venerável'. Esquece-se-nos a expressão papal «damnabilis, sed non damnanda»? Sentir-me-ia satisfeito caso se dispusessem a partilhar a vossa visão sobre estes assuntos. Desde já muitíssimo agradecido. NOTA: TRADUÇÕES-TIPO – valor modal deôntico de obrigação: «que deve ser...» – valor diatético passivo no futuro: «que há-de ser...» (São parecidas, hein?)
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