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Ney de Castro Mesquita Sobrinho Vendedor Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil 102K

A língua latina possuía os gêneros masculino, feminino e neutro. Este último designava objetos ou seres concebidos como inanimados e desapareceu no latim vulgar e, por tabela, nos idiomas dele derivados como o nosso. Assim, em português, os substantivos, que designam seres animados dos sexos masculino, feminino, e mesmo seres inanimados sem sexo, passaram a ser apenas masculinos ou femininos.

Em português, portanto, o substantivo tem gênero que exprime o sexo real ou fictício do ser designado. Por via de regra, quando se refere a um ser vivo, o substantivo tem um gênero que corresponde ao sexo desse ser. Todavia quando indica um objeto inanimado e, portanto, assexuado, o substantivo tem um gênero convencional e nada mais. Este ser sem sexo passa a ser, convencionalmente apenas, masculino ou feminino.

Resumindo, em nosso idioma, os seres podem ter um sexo real ou fictício.

Pela lógica, apenas os nomes que designam seres de sexo real deveriam sofrer flexão de gênero, do masculino para o feminino e vice-versa, já que os seres de sexo real são, normalmente, macho ou fêmea. Assim, com o mesmo radical, flexionam-se: menino/menina, leão/leoa, imperador/imperatriz, senhor/senhora, etc., etc., etc. Com radicais diferentes: pai/mãe, homem/mulher, cavalo/égua, etc., etc., etc. Os seres de sexo fictício, meramente gramatical, não deveriam ter nomes que se flexionassem quanto ao gênero.

Já há muito tempo, manuseando o famoso Dicionário Aurélio, deparei-me com palavras que pareciam contrariar o que disse no parágrafo anterior, pois eram ficticiamente femininas e derivavam, ao que tudo indica por flexão de gênero, de outras de sexo masculino igualmente fictício. O inverso também ocorria. Assim de bacio, banco, horto, ramo, se fizeram bacia, banca, horta, rama; do mesmo modo, de bolsa, cana, casaca, mata, se formaram bolso, cano, casaco, mato.

Passei a interessar-me por estas palavras e colecioná-las. Abaixo transcreverei esta pequena coleção.

Percebi que, em casos tais, os vocábulos derivados, sejam masculinos ou femininos, designam freqüentemente algo parecido, semelhante, mas não igual ao que é designado pela palavra derivadora. Ou então, designa a mesma coisa, porém em tamanho maior ou menor. Exemplos: 1.° – “Horta” (vocábulo derivado) designa uma coisa parecida com a coisa designada pela palavra derivadora, “horto”, que é o mesmo que jardim. Uma horta não é semelhante a um jardim? 2.º – “Cano” (termo derivado) é o nome de algo que se parece no formato ao objeto designado pelo vocábulo derivador “cana”. Um cano não lembra um cana? 3.° – “Saca” origina-se de “saco”, designando um saco grande. 4.º – “Machada”, palavra proveniente de “machado”, é o mesmo que machado pequeno.

Também observei que eram todos vocábulos de formação exclusivamente vernácula. Todas também eram palavras terminadas por “a” e “o”, não havendo masculinas e femininas com outras terminações como não raro ocorre no nosso idioma.

Nunca soube se era mesmo por flexão de gênero que haviam sido formados. É por esta razão que hoje consulto os esclarecidos consultores do Ciberdúvidas para lhes indagar se nos casos acima e abaixo relacionados houve mesmo, ou não, flexão de gênero, talvez anômala.

Gostaria de saber também se ainda nos dias atuais formam-se palavras por este processo ou não, pois suspeito que este modo de criar palavras novas tem que ver com a mentalidade dos homens do passado, os antigos falantes da língua portuguesa, que afinal foram os que as criaram.

Peço que os doutíssimos consultores do Ciberdúvidas opinem nos casos em que, na lista abaixo, o étimo da palavra for controvertido. Também rogo aos mesmos sábios que, se possível for, enriqueçam ainda mais a lista de termos abaixo relacionados acrescentando-lhe outros vocábulos surgidos pelo mesmo processo.

Quero também registrar que há casos que se parecem com o das palavras relacionadas na lista abaixo, mas são diferentes.

Umas já vieram do latim com essa duplicidade de formas masculinas e femininas. Exemplos: ovo/ova, fruto/fruta, signo/signa, pimento/pimenta, vinho/vinha.

Quando os vocábulos derivam de verbo, parece que não há flexão de gênero, mas formas diferentes de se criar substantivos, usando terminações ou sufixos diferentes. Exemplos: do verbo “cercar”, se fizeram “cerco” e “cerca”; de “gritar”, surgiram “grito” e “grita”; de “riscar”, derivaram “risco” e “risca”.

Quando as duas formas têm exatamente o mesmo significado, parece ter ocorrido tão-somente variação. Uma das duas palavras é variante da outra. Exemplos: pértigo/pértiga, tralho/tralha, adenda/adendo.

Há também os casos dos femininos substantivados de adjetivos masculinos: “reta” de “reto”, “revolta” de “revolto”, “sebenta” de “sebento”, “baixa” de “baixo”. E ainda feminino substantivado de verbo no particípio: “madrugada”, feminino substantivado de “madrugado”, particípio de “madrugar”.

Existem as palavras de origem e sentido diferente: esporo/espora, balança/balanço, prega/prego, baia/baio, casso/cassa, cravo/crava, etc.

Sobre os casos elencados nos últimos cinco parágrafos, que podem vir a ser confundidos com os abaixo relacionados, peço os esclarecimentos dos cultos consultores. Havendo outros casos que podem gerar confusão, gostaria que fossem outrossim mencionados.

FEMININAS DE ORIGEM MASCULINA

BACIA (de bacio).
BANCA (de banco).
BARAÇA (de baraço).
BARRANCA (de barranco).
BICA (de bico).
BORDA (de bordo?). O ciberdicionário da Porto Editora diz que “borda” e “bordo” vêm, provavelmente, do frâncico “bord”, através do francês “bord”. A 2.ª edição do Aurélio faz as duas derivar do germânico “bord”. Já para o Michaelis, “borda” provém de “bordo”.
BRAÇA (de braço). Esta a definição do ciberdicionário da Porto Editora. Já para o Aurélio, “braça” vem do latim “brachia”, pl. de “brachin”, "braço".
BRONCA (de bronco).
BUEIRA (de bueiro).
CALDA (de caldo). Esta a definição do Michaelis. Aurélio e Porto Editora dão outra etimologia.
CAMPA (de campo).
CANCELA (de cancelo).
CAPÍTULA (de capítulo). Esta a definição do Aurélio. Para o ciberdicionário da Porto Editora, “capítula” vem do lat. “capitula”, plural de “capitulum”, ‘capítulo’.
CAPUCHA (de capucho).
CEPA (de cepo).
CINTA (de cinto).
CORNA (de corno).
FRASCA (de frasco).
GALHA (de galho). Há “galho”, provavelmente do latim vulgar “galleu”; e “galha”, possivelmente do latim “gallea”, isto é, “nuce gallea”, ‘noz de galha’. “Galhas”, plural, significa ramagem, ramada, rama. No entanto, há no Brasil, a palavra “galha”, com o sentido de “galho”. Trata-se de um termo popular, usado por pessoas incultas. Parece que é ou já foi largamente empregado em vastas regiões do Brasil. Neste caso, “galha” é flexão de gênero de “galho” ou é uma simples variante desta última palavra?
HORTA (de horto).
JALECA (de jaleco).
LADA (de lado). Esta a definição do Aurélio. Para o ciberdicionário da Porto Editora, “lada” é termo de origem obscura.
LIÇA (de liço).
LOMBA (de lombo).
MACHADA (de machado).
MANTA (de manto).
MOLOSSA (de molosso).
MORANGA (de morango).
NACA (de naco). Definição do Aurélio. Para o dicionário em linha da Porto Editora, tanto um como outro termo são de origem obscura.
OLHA (de olho). Esta a etimologia do Aurélio para “olha” no sentido de “caldo gordo” ou “gordura do caldo”. O Porto Editora apresenta outro étimo.
PABOLA (de pábulo).
PINGA (de pingo). Este o veredito do Aurélio. Já o Porto Editora da Web faz as duas palavras derivar do verbo pingar.
POÇA (de poço).
POIA (de poio).
POMA (de pomo).
PORRA (de porro).
PINGA (de pingo). A segunda edição do Aurélio faz “pinga” derivar de “pingo”. Para o dicionário da Porto Editora, “pinga”, assim como “pingo”, origina-se do verbo “pingar”. O mesmo diz o Michaelis.
PLANA (de plano).
PRECINTA (de precinto). O Porto Editora faz estas duas palavras derivar, respectivamente, do latim “praecincta-” e “praecincto-”, ambos particípio passado do verbo latino “praecingere”.
PÚCARA (de púcaro). Opinião do porto Editora, porém, para o Aurélio, “púcara” é variante de “púcaro”.
RAMA (de ramo).
RIA (de rio).
RIÇA (de riço).
SACA (de saco).
SAPATA (de sapato).
TAMANCA (de tamanco).
TALA (de talo?).
TOLDA (de toldo).
TORA (de toro). Esta é a etimologia da segunda edição do Aurélio. Já para o Michaelis, tora vem do latim toru.
VALA (de valo). Esta a origem apresentada pelo Aurélio. O Porto Editora em linha dá-lhe outra origem.

 

MASCULINAS DE ORIGEM FEMININA

BAGO (de baga).
BANDO (de banda).
BARCO (de barca).
BARRACO (de barraca).
BOCO (de boca).
BOLSO (de bolsa).
BONECO (de boneca).
BOTELHO (de botelha).
CABAÇO (de cabaça).
CABANO (de cabana).
CABEÇO (de cabeça). O Porto Editora eletrônico tem outra versão para este caso.
CACHOEIRO (de cachoeira). O temo “cachoeiro” é brasileirismo do Estado do Espírito Santo.
CANASTRO (de canastra).
CANDEIO (de candeia).
CANECO (de caneca?). O Aurélio não define a etimologia de “caneco”. O Michaelis, por turno, diz que “caneca” vem de latim canna + -eca, ao passo que, “caneco” provém, ainda segundo este dicionário, do lat. canna + -eco. Qual a verdadeira etimologia de “caneco”? O ciberdicionário da Porto Editora desconhece-o.
CANELO (de canela).
CANO (de cana).
CAPOEIRO (de capoeira).
CARGO (de carga). O Porto Editora tem outra opinião.
CASACO (de casaca).
CASTANHO (de castanha). O Porto Editora também aqui é voz discordante.
CASULO (de casula). Etimologia do Porto Editora. O Aurélio dá outras origens aos dois vocábulos.
CEBOLO (de cebola).
CERDO (de cerda). Esta a definição do Aurélio. O dicionário em linha da Porto Editora dá outra etimologia a “cerdo”: “Do vasco cherri, zerri, ‘porco’, pelo cast. cerdo, ‘id.’ ”
CESTO (de cesta).
CHINELO (de chinela).
CIMO (de cima).
CHOURIÇO (de chouriça). Esta é a definição do Aurélio. Entretanto, para o dicionário eletrônico da Porto Editora, é justamente o contrário, isto é, “chouriça” é que vem de “chouriço”.
COCO (de coca). Etimologia apresentada pelo Aurélio. Alguns dão outra etimologia: o grego “kókkos”.
COPO (de copa). Etimologia do Aurélio e do Michaelis. O ciberdicionário da Porto Editora dá outras etimologias, uma para cada palavra.
CORTIÇO (de cortiça).
BORRACHO (de borracha). Aqui a opinião do Aurélio. O Porto Editora, todavia, pensa de outra forma.
ESTOFO (de estofa).
ESTRELO (de estrela).
FESTO (de festa). Neste caso, “festo” significa uma festa grande.
FOSSO (de fossa). Para o dicionário eletrônico da Porto Editora, “fosso” vem de “fossa”. Para o Aurélio, provém do italiano “fosso”. Já para o Michaelis, é derivado do latim “fossu”.
GADANHO (de gadanha).
GAIOLO (de gaiola).
GAMELO (de gamela).
GIGO (de giga).
GORRO (de gorra).
JARRO (de jarra).
LARANJO (de laranja).
MAÇO (de maça).
MADEIRO (de madeira).
MANGO (de manga).
MARCO (de marca).
MATO (de mata).
NIGELO (de nigela). O Porto tem outra opinião.
PANTUFO (de pantufa).
PERNO (de perna). Esta é a versão do Porto Editora. O Aurélio, por turno, diz que “perno” vem do catalão “pern”. Com a palavra o Ciberdúvidas.
PÊRO (de pêra). Definição do Aurélio. Para o dicionário eletrônico da Porto Editora, “pêro” vem do latim “piru”.
PIO (de pia). Pia grande, na qual se pisam uvas.
PIPO (de pipa).
POPÔ (de popa).
PUBO (de puba). “Pubo” é a forma masculina deste adjetivo, a forma feminina é também “puba”.
RELHO (de relha).
RODELO (de rodela).
ROLHO (de rolha). Esta a etimologia do Aurélio. O Porto Editora em linha diz que “rolho” vem do castelhano “rollo”, ‘rolo’.
SAIO (de saia). O Aurélio diz que “saio” vem de “saia” com inflexão do gênero de homem. O ciberdicionário da Porto Editora afirma que “saio” vem do latim “sagu”.
SANCO (de sanca).
SERRO (de serra). Definição do ciberdicionário da Porto Editora. Aurélio, todavia, diz que “serro” vem do “cerro”, com “s” por inflexão de “serra”.
SARDO (de sarda).
TAMPO (de tampa). O Aurélio diz que “tampo” é variante de “tampa”.
TELHO (de telha). Esta é a definição do ciberdicionário da Porto Editora. Já para o Aurélio, “telho” vem do latim “tegulu”, ‘telhado’.
TRALHO (de tralha). O Aurélio afirma que “tralho” é variante de “tralha”.
TRANCO (de tranca). Esta a definição do ciberdicionário em linha da Porto Editora. O Aurélio diz que “tranco” é variante de “tranca”.
URCO (de urca).
VASSOURO (de vassoura).
VEIO (de veia).

Muito obrigado.

Maria Costa Professora Lisboa, Portugal 9K

O substantivo púbis admite os dois géneros, ou deverá usar-se apenas no feminino? Ex.: «a púbis». O dicionário Houaiss referencia-o como tendo dois géneros, mas existem outros em que aparece apenas como substantivo feminino.

Silvânia Bárbara Cruz Admnistrativa São José do Rio Preto – São Paulo, Brasil 7K

Qual a origem da palavra sósia?

Está correta a frase «Ele tem muitas sósias»?

Ou seria «Ele tem muitos sósias»?

Grata pela atenção.

Pedro Faria Reformado Amadora, Portugal 13K

Li em José Saramago (As Pequenas Memórias, Caminho, 2006, página 127) a palavra barrã com o significado que eu conhecia para marrã, ou seja, «porca», «animal, fêmea do porco». Como não encontrei barrã, em cinco dicionários que consultei, venho perguntar se barrã também existe ou se resultará de uma gralha. Desejo notar, também, que não encontrei o significado de marrã para a porca que está na fase de amamentar leitões, aquele que Saramago me parece ter recordado.

Grato pela atenção.

Maria A. E. Gonçalves Jurista Coimbra, Portugal 14K

Pode dizer-se «Uma sujeita é simpática» em vez de «Uma pessoa é simpática»?

Carla Nunes Escriturária Carcavelos, Portugal 44K

Qual é a diferença entre chouriço e chouriça?

Gilcelene Matos Auxiliar administrativa Rio de Janeiro, Brasil 42K

O feminino de ladrão é ladra? E porquê?

João Carlos Rodrigues Gerente comercial Lisboa, Portugal 11K

Gostava de saber como se deve fazer a seguinte concordância nesta frase:

«Um terço das portuguesas é iletrado»
«Um terço das portuguesas é iletrada»
«Um terço das portuguesas são iletradas»

A minha dúvida é, pois, saber como deve fazer-se a concordância verbal: com «um terço» (e, neste caso, no masculino ou no feminino) ou o termo preposicional «das portuguesas».
Julgo que a regra será como o que aqui no Ciberdúvidas se escreveu sobre frases com percentagem ou com «maioria»/«maior parte», mas, confesso, no caso em apreço ainda não estou esclarecido.
Muito obrigado.

Mariana Ramos Coimbra, Portugal 11K

Gostaria de saber se a palavra «determinante», enquanto substantivo, é masculina ou feminina. Na frase «os determinantes da adaptação à doença são a idade e...», por exemplo, dever-se-á utilizar «os determinantes» ou «as determinantes»?

Ferreira Simões Portugal 6K

Na maioria dos documentos destinados ao pagamento de serviços é vulgar fazer-se referência ao «caixa automático», expressão contemplada no Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, que apresenta, como respaldo, uma notícia publicada no jornal Público. Como se isso fosse justificação!

Se é verdade que o adjectivo deve concordar com o substantivo, em género e número, caixa só pode ser automática e nunca automático. Quando caixa é apresentada no masculino (o caixa) sem dúvida que estamos perante o indivíduo que exerce essas funções em qualquer estabelecimento ou repartição. Mas esse, de automático nada tem. Assim, o que se encontra no Multibanco é a caixa automática e não «o caixa automático».
Esta é a minha opinião. Gostaria, porém, de saber se a outra, a dos documentos para pagamento de serviços (e do tal dicionário) também se pode considerar correcta.

Os meus agradecimentos.