DÚVIDAS

«Temos muito a/que/para aprender com os mais velhos»
Deve dizer-se, rigorosamente: a) «Temos muito a aprender com os mais velhos»; b) «Temos muito que (e não «de», com sentido de obrigação) aprender com os mais velhos»; ou c) «Temos muito para aprender com os mais velhos»? As formas que me parecem mais correctas são a b) e c); no entanto, ouço dizer muitas a vezes como em a). Para outras formas verbais, como, por exemplo, «fazer», é igual? Desde já, muito obrigado.
A tradução de "steric effect"
Como traduzir "steric effect", efeitos estes que resultam em repulsões entre nuvens electrónicas que rodeiam átomos forçados a aproximarem-se no espaço, apesar de estarem separados. Considerando que são efeitos descritos na química orgânica, onde existem termos como estereoquímica e estereoisómero, pergunto se se traduz para "efeitos estéreos", ou então para evitar a confusão com o estéreo radiofónico, empregar a opção "efeito estérico". Esta opção é mais próxima da utilizada em francês "effet stérique". Um obrigado antecipado e pelo sítio Ciberdúvidas.
Judia e judaica como adjectivos
Num blogue intitulado Grafofone critica-se o jornalista Mário Crespo por ter empregado o adjectivo judia, em vez de judaica, nesta frase: «[Aristides de Sousa Mendes] ajudou a população judia.»  Transcrevo a argumentação do autor do referido blogue, Ricardo Cruz: «Hoje faz cinquenta anos que morreu (na miséria e escorraçado pelo governo português de então) Aristides de Sousa Mendes. A sua actuação durante a II Grande Guerra terá salvo centenas de milhares de pessoas da morte em campos de concentração. O jornalista da SIC Notícias, Mário Crespo, estava a apresentar uma pequena reportagem sobre a actuação de Aristides de Sousa Mendes , quando o ouço dizer "ajudou a população judia". Pois realmente a verdade é que essa afirmação é falsa... Quem ele ajudou efectivamente foi a população judaica. Mário Crespo: errar é humano, mas há erros e erros. Para quem está numa posição na qual o que diz é ouvido por milhares de pessoas e tido como normativamente correcto, torna-se importante ter atenção a estes deslizes. Não me leve a mal, se calhar fui eu que ouvi bem demais! Para que não restem dúvidas: os adjectivos biformes terminados em -eu formam o feminino em -eia: europeu, europeia; hebreu, hebreia. Contudo, judeu e sandeu são excepções: judia e sandia. Mas a questão não reside aqui. O jornalista utilizou uma analogia entre o substantivo gentílico e o adjectivo correspondente. É que na maioria dos casos, ambos são iguais. Ex.: português — civilização portuguesa; alemão — civilização alemã; russo — civilização russa; italiano — civilização italiana. Mas: judeu — civilização judaica; hebreu — civilização hebraica. (por acaso o povo também pode ser chamado de hebraico). Conclusão: cuidado com as analogias. Há diferenças e existem por variados motivos. A de judaica reside na etimologia (do latim judaicus, a, um e por sua vez do grego ioudaikos, e, on.» Não discordando deste argumentário, a verdade é que qualquer dicionário (da Academia das Ciências de Lisboa, os vários da Porto Editora ou o Houaiss) dá como sinónimos os adjectivos judeu/judia («mulher judia», «população judia») e judaico/judaica.  Gostava de saber a opinião do Ciberdúvidas. Obrigado.
Ainda «A profissão é professor»
Quanto à discussão das frases «A profissão dele é professor.» e «A profissão dele é a de professor.», verificamos que as nossas prezadas Ciberdúvidas, a quem temos motivos para estar muito agradecidos pelos excelentes serviços que prestam, referem como evidentemente melhor e mais exacta a expressão «a profissão dele é a de professor.» Ora esta declaração da evidência da qualidade superior e da exactidão da segunda frase levanta-me... novas dúvidas. Será que é assim tão evidente? A minha posição actual é a de que as frases merecem semelhante valorização, por pertencerem ao mesmo nível, padrão, de linguagem e serem funcionalmente equivalentes, o que não significa que não incorporem algumas diferenças, como abaixo expresso. Estilisticamente, não creio que a frase sem o pronome a seja inferior, como abaixo também expresso.Para começar, estabelecendo cadeias em que as expressões revelem bem os seus sentidos, consideremos a sequência de frases: Médico é uma profissão. Canalizador é uma profissão. Professor é uma profissão e é a profissão dele. A profissão dele é professor. E consideremos estoutra sequência de frases: Existe a profissão dele. É a de professor. A profissão dele é a de professor. Será que uma destas formulações é evidentemente melhor do que a outra? De acordo com o parecer dado pelas Ciberdúvidas, as questões em causa são mais de ordem semântica do que sintáctica. No entanto, os significados das duas frases são imediatamente reconhecidos como idênticos e claros por qualquer lusófono, que, à partida, nunca iria pensar em significados que envolvam a ideia de que a «profissão» é «um professor». A esta estranha ideia contraponho outras matizes semânticas relativas à aplicação do verbo ser, bem como a consideração do seu efeito em cada um dos casos, como explico abaixo. Note-se, de passagem, que na frase «Médico é uma profissão.» ninguém pensará que «o médico» é «uma profissão». Que risco haverá, então, de «a profissão» ser «um professor»? Claro que ninguém pensa assim ao formular ou ao receber uma destas frases. Na frase «A profissão dele é a de professor.», a utilização do pronome a invoca a palavra profissão, pelo que a frase equivale a «A profissão dele é a profissão de professor.» Aqui, o verbo ser é utilizado para estabelecer uma relação directa, de tipo comparativo, de identidade entre duas coisas da mesma natureza, duas profissões: a profissão dele e a profissão de professor. Por via do verbo ser, diz-se que a profissão dele e a profissão de professor são iguais, ou melhor, a mesma. Já na frase «A profissão dele é professor.», o verbo ser estabelece um relação que não é de identidade directa, mas sim de atribuição selectiva entre duas coisas de natureza distinta, um homem e uma profissão: do universo das profissões, a que pertencem médico, canalizador, professor e outras, a que é dele é professor. Em termos de exactidão, as duas formulações são equivalentes, pois nos dois casos não há qualquer incerteza ou especificação potencialmente errónea: ele é professor, ou seja, a profissão dele é professor, ou seja ainda, a profissão dele é a (profissão) de professor. Passando a um plano estilístico, se bem que a expressão com pronome a possa, segundo algumas opiniões, parecer mais "refinada", ela é mais retorcida, uma vez que o pronome a introduz redundância relativamente ao termo que é o sujeito da frase e que dista de apenas duas palavras: «A profissão dele é a (profissão) de professor.» Não me parece que esta formulação seja superior a «A profissão dele é professor.» Não admira que a forma «A profissão dele é professor» seja mais corrente, se evita a referida redundância. E a menor frequência de uma expressão não a torna, por isso, superior. Não sem ironia, digo: a este mesmo nível, estilístico, não seria até de abandonar as duas expressões e adoptar, se quisermos criar certos efeitos, «Ele exerce o mester de docente.»? Tudo isto, claro, «salvo melhor opinião»! Fico a aguardar com interesse a resposta de V. Exas., que muito agradeço.
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