Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Queria saber se é agramatical dizer «1h da tarde», «2h da tarde», «5h da tarde» ou «10h da manhã», etc..

Resposta:

A forma apresentada não é agramatical, portanto é perfeitamente aceitável e corrente dizer-se «uma (hora) da tarde (podendo também escrever-se «1h da tarde»). Neste caso, tarde marca a parte do dia em que ocorrerá o evento, encontro, etc. 

No entanto, considerando a contagem das horas conforme o ciclo de vinte e quatro horas (24 horas) utilizado em vários âmbitos, entre eles o administrativo, o uso da forma em questão – «uma da tarde» – cinge-se a contextos informais/coloquiais. No registo mais formal, dir-se-á, ou escrever-se-á, 13h00 (ou «treze horas»1). Note-se ainda que, na oralidade, o substantivo hora pode ser omitido porque o nosso interlocutor compreende a mensagem mesmo que a palavra não seja proferida. 

1 No Ciberdúvidas tem-se usado o h como separador entre as horas e os minutos, seguindo a prática descrita em 1998 na resposta "A grafia das horas". Observe-se, porém, que, de acordo com a norma internacional ISO 8601, transposta para Portugal pela Norma Portuguesa NP EN 28601:1996 — Dados e formatos de troca. Troca de informação. Representação de datas e horas, deve escrever-se 13:00, com : como separador (cf. Paulo Correia, "

Pergunta:

Queria saber se ao usar o verbo doer, referindo-se às costas, se diz: «Dói-lhe as costas», «Doem-lhe as costas»?

Deve concordar com o sujeito, e costas está no plural, mas na realidade não são duas costas é só uma.

É correcto das duas maneiras?

Resposta:

A forma correta será «doem-lhe as costas». Note-se que apesar de costas ser uma parte do corpo singular, ou seja, cada pessoa só tem uma parte posterior do tronco, a verdade é que o nome que se dá a esta zona do corpo humano está no plural. Assim sendo, os verbos que se associam à denominação desta zona devem concordar em número com a mesma, no caso, plural. Veja-se outros exemplos: calças óculos. Estes objetos, quer estejamos a falar de um só par ou de vários, grafam-se sempre com a marca do plural, e por isso mesmo, o verbo que se lhe associa está sempre no plural: «as calças rasgaram-se» ou «os óculos partiram-se». 

Pergunta:

Diz-se «um grupo de pessoas tomadas de uma incerteza momentânea» ou «um grupo de pessoas tomadas por uma incerteza momentânea»?

Obrigada.

Resposta:

Ambas as sequências estão corretas:

(1) «Um grupo de pessoas tomadas de uma incerteza momentânea»;

(2) «Um grupo de pessoas tomadas por uma incerteza momentânea».

Comecemos por referir que as sequências incluem construções passivas. Nestas construções, o comum é termos o agente da passiva introduzido pela preposição por como no exemplo 1. No entanto, como refere Evanildo Bechara (Moderna Gramática do Português2009, pág. 434), este agente pode ser introduzido pela preposição de: 

«Dizemos que o complemento de agente pode vir introduzido pela preposição de, construção mais comum em outros tempos da história do português e ainda usado literariamente; no português contemporâneo, de está praticamente restrito a unidades léxicas que exprimem sentimentos ou manifestações de sentimentos.»

Ora, o exemplo 2. parece enquadrar-se neste contexto, uma vez que incerteza denota um estado de espírito. Vejam-se outros exemplos retirados de textos literários (Corpus do Português de Mark Davies):

(3) «– Sou eu! – repetia, tomado de raiva [...]» (em Amor Agreste, de Manuel da Fonseca)

(4) «Cotejava essas notas iconográficas, tão cruas, tão secas, [...] e sentia-se tomado de um certo terror e mal-estar» (em Galeria Póstuma, de Machado de Assis). 

Pergunta:

Devo escrever «[...] o ato de coragem patriótica» ou «[...] o ato de coragem patriótico»?

Estou mais inclinado para a segunda opção, mas, não tendo a certeza, resolvi colocar a questão.

Agradeço, desde já, a vossa ajuda!

Resposta:

As duas opções estão corretas: «ato de coragem patriótica» e «ato de coragem patriótico». No primeiro caso o adjetivo patriótica encontra-se no feminino porque se refere a coragem («ato de patriótica coragem»), por outro lado, o adjetivo no masculino não se refere a coragem, mas sim a ato, substantivo masculino («patriótico ato de coragem»).

No entanto, devemos ter em consideração que «ato de coragem» é uma associação de palavras corrente, e os adjetivos que modificam estas palavras normalmente concordam com o nome que é o núcleo da expressão. Neste caso, o núcleo é ato, e o adjetivo patriótico assume, portanto, o género masculino.

Pergunta:

No âmbito jurídico, inclusive em decisões judiciais e em artigos acadêmicos, não é raro o adjetivo "nupercitado(a)", aparentemente como sinônimo de supracitado(a).

Exemplo: «[...] É certo que a lei nupercitada estabelece em seu art. 6.º: "Não serão de domínio da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios as obras por eles simplesmente subvencionadas".»

Gostaria de saber se o adjetivo existe, e qual o significado do prefixo nuper-. Observo que o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras registra o adjetivo nuperpublicado.

Desde já agradeço.

Resposta:

À semelhança de nuperpublicado, registado no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras, o adjetivo nupercitado também existe. Este adjetivo é derivado por prefixação, sendo que ao prefixo nuper- se agrega o adjetivo citado. Este prefixo, que vem do latim nuper, com o significado de «recentemente, há  pouco», é um elemento de formação de palavra que exprime a mesma ideia que recém. Posto isto, nupercitado significa «citado recentemente».