Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora
Viajando pelo Alentejo e pelos seus regionalismos
Na estorreia do Sol, entre as gandulas que se escapuliam pelos campos fora

Manajeiro, a pessoa que dirige o trabalho das ceifas ou outros semelhantes, é o ponto de partida para viajarmos à volta de alguns termos comuns de se ouvirem no Alentejo. Uma viagem, que passa pelas borregas, pelas cabras, pelas roeduras e pelos cagaços, lembrand-nos o quão rica é a nossa língua. 

Pergunta:

Quanto aos indígenas brasileiros, podemos pluralizar as suas nações? "Os Guarani" ou "os Guaranis"? "Os Caeté" ou "os Caetés"? "Os Timbira" ou "os Timbiras"? "Os Potiguara" ou "os Potiguaras"?

Muito obrigado!

Resposta:

Qualquer um dos nomes étnicos referidos é pluralizado, conforme se indica nos dicionários Houaiss e  MichaelisAssim: guarani e guaranis, substantivo e adjetivo de dois géneros; caeté e caetéssubstantivo e adjetivo de dois géneros; timbira e timbirassubstantivo e adjetivo de dois géneros; potiguara e potiguarassubstantivo e adjetivo de dois géneros.1

A título de exemplo, vejamos outros casos: tupinambá e tupinambássubstantivo e adjetivo de dois géneros; ianomâmi e ianomânissubstantivo e adjetivo de dois géneros; pataxó e pataxós, substantivo e adjetivo de dois géneros. 

 

1 No Brasil, os nomes pátrios e étnicos escrevem-se com minúscula inicial (cf. guarani no Dicionário Houaiss). Em Portugal, prefere-se a maiúscula inicial («os Guaranis»), embora se escreva a minúscula em usos indefinidos («um guarani», «alguns guaranis»).

Pergunta:

Eu tenho dez anos, sou português, mas moro no Brasil, onde estudo no 5.º ano.

No Brasil, aprendo: porque(ê) e por que(ê), todos com diferentes significados, mas em Portugal penso que não usamos por quê e por que.

Queria saber quais são as regras em Portugal e o que dita o acordo ortográfico.

Obrigado.

Resposta:

Como já foi esclarecido em anteriores respostas (cf. Textos Relacionados), a grande diferença entre o uso de porque e por que nas variantes de português europeu e português do Brasil passa pelo uso interrogativo: enquanto em Portugal escrevemos «porque estás triste?» no Brasil teremos «por que estás triste?». Quanto a porquê e por quê, a situação é paralela: em Portugal, usa-se porquê, enquanto no Brasil se emprega por quê – sempre em frases interrogativas1. Sobre o que ditam o acordo ortográfico vigente ou os anteriores, nada há registado sobre o assunto, que parece depender apenas da maneira como se têm grafado tradicionalmente estas formas nos dicionários dos dois países.

Em relação a ocorrências noutros contextos (não interrogativos), vejam-se os exemplos, em que o uso é igual em PE e PB, podendo verificar-se, no entanto, alguma diferença na pronúncia:

1. «Estou triste porque tenho saudades do meu primo.»

2. «Por que motivo estás triste?»

3. «Tenho saudades do meu primo, é este o motivo por que estou triste.»

Em 1. porque é conjunção causal (= «visto que»); em 2. temos por + que na construção «por que motivo...?» (este uso antecede palavras como motivo, razão, etc.); e em 3. temos um por + que relativo, que significa «este é o motivo por que...». 

 

Porquê e por quê interrogativos tanto se podem escrever no princípio da frase ou no fim:

4. «Anda triste, porquê/por quê?»

Pergunta:

No Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa, de Domingos Paschoal Cegalla, ele afirma que xadrez como adjetivo é invariável quando relacionado a cores de tecido. Ex: «tecido xadrez», «camisa xadrez», «gravatas xadrez».

Sendo assim, na frase «estas gravatas xadrez das crianças são lindas», não haveria concordância de gênero e número.

Seria essa uma exceção à regra?

Grato pela resposta.

Resposta:

Como já se esclareceu anteriormente,  xadrez  – no sentido «jogo sobre um tabuleiro, com 64 casas, em que se fazem mover 32 peças com seis figuras diferentes que simulam 2 exércitos»– que só se pluraliza enquanto substantivo: xadrezes. Já como como adjetivo, é uma palavra invariável — tal como se  estipula  no Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa«[As] gravatas xadrez», «[as] camisas xadrez», «as toalhas de mesa xadrez» e por aí adiante.

Exemplo do emprego como substantivo, com o respetivo plural: «Os xadrezes das gravatas são irregulares».

Ainda assim, importa referir que podemos ter a mesma afirmação, mas optando por xadrez, no singular: «O xadrez da gravata é irregular». Aqui, por xadrez, subentende-se o «tecido com padrão xadrez».

Pergunta:

Desejava saber sobre o emprego do pronome complemento -o depois de formas verbais terminadas em ditongo nasal. Já encontrei em textos de autores portugueses de boa nota este registo, por exemplo, "dizem-o" por dizem-no. É correto semelhante uso, ou só enfático?

Gratíssimo ao vosso excelente trabalho!

Resposta:

Quando o pronome oblíquo -o(s)/-a(s) surge depois do verbo, ligando-se a estes com hífen, a sua forma depende da terminação do verbo. O exemplo apresentado – dizem-no – é um dos casos em que o pronome sofre alteração. Nesta situação, estamos perante uma forma verbal terminada em ditongo nasal  dizem»– e, por isso, o pronome assume a forma no(s)/na(s).

Posto isto, e apesar de, como refere o consulente, autores portugueses registarem eventualmente "dizem-o" por «dizem-no», o correto é mesmo a segunda forma – dizem-no. Não há nenhuma regra que preveja a forma "dizem-o", o que se confirma na Gramática da Língua Portuguesa (Lisboa, Editorial Caminho, 2003, p. 831), de M.ª Helana Mira Mateus et al.:

«O pronome clítico o(s)/a(s) assume a forma lo(s)/la(s) quando a forma verbal termina em /s/ ou /r/[1], dando-se simultaneamente o desaparecimento destes elementos. O clítico apresenta-se como no(s)/na(s) quando a forma verbal termina em nasal.»

[1] Pelas notações /s/ e /r/, as autoras referem as formas verbais que, na escrita, terminam em -s (ou -z) e -r. Exemplos: «conheces o João» → «conhece-lo»; «traz o pão» – «trá-lo»; «vou comprar o jorn...