Sara de Almeida Leite - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara de Almeida Leite
Sara de Almeida Leite
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Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português e Inglês, pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa; mestre em Estudos Anglo-Portugueses; doutorada em Estudos Portugueses, especialidade de Ensino do Português; docente do ensino superior politécnico; colaboradora dos programas da RDP Páginas de Português (Antena 2) e Língua de Todos (RDP África). Autora, entre outras obras, do livro Indicações Práticas para a Organização e Apresentação de Trabalhos Escritos e Comunicações Orais ;e coautora dos livros SOS Língua Portuguesa, Quem Tem Medo da Língua Portuguesa, Gramática Descomplicada e Pares Difíceis da Língua Portuguesa e Mais Pares Difíceis da Língua Portuguesa.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Ao pronunciarmos a palavra Egipto, é correcto pronunciarmos a letra p? Pois quando falamos da nacionalidade egípcia, a letra p é vocalizada.

Resposta:

A pronúncia correcta, tanto em Portugal como no Brasil, para o topónimo Egipto/Egito é [iʒito], portanto, a consoante p é muda.

Contudo, a pronúncia do adjectivo egípcio, bem como de outros derivados (egiptólogo, egiptologia, etc.) e até do elemento de composição egipto- (o antepositivo de compostos como egipto-árabe) já contempla o som do grafema p.

É de referir que este fenómeno acontece com outras palavras, como é o caso de nocturno/noctívago ([noturnu]/[noktivagu]), ou de concepção/conceptual ([conceção]/[conceptual]). Este último contraste, porém, não existe no Brasil, onde o p de concepção é pronunciado.

 

N.E. – Sobre o que mudou na grafia  de Egipto, depois do Acordo Ortográfico de 1990, vejam- se as respostas

Pergunta:

Professora Sara.

Em sua resposta, a senhora começa dizendo: «parece-me».

O que gostaria de saber, se posso confiar no seu parecer, é qual a fundamentação para esse parecer, ou a senhora tem dúvidas a respeito e prefere não afirmar?

Minha intenção é aprender, pois também pesquisei e não encontrei significado para a palavra "partonímia".

Atenciosamente,

Resposta:

Muitas vezes, nas respostas que escrevo, tenho a preocupação de referir que o seu conteúdo reflecte a minha opinião, e não a verdade única e definitiva sobre determinado assunto. Isto porque, em matéria de língua, como em tantas outras, nem tudo é linear, nem tudo é passível de ser simplesmente dividido entre o certo e o errado, entre o que existe e o que não existe.

No caso do léxico, sabemos que há uma disparidade considerável entre o que os dicionários consagram e o que é realmente empregado pelos falantes. Os dicionários gerais de língua estão sempre atrasados em relação ao uso, além de que não incluem a totalidade dos vocábulos de uma língua, ficando de fora não só as aquisições e os neologismos mais recentes, mas ainda grande parte dos regionalismos e do vocabulário técnico-científico, para não falar das diversas gírias e do calão.

Assim, tendo consciência das limitações do meu conhecimento e da disparidade entre o conteúdo das bases de dados que posso consultar e o conjunto real de palavras que a língua põe à nossa disposição neste momento histórico, eu só faria uma afirmação categórica como «a palavra partonímia não existe» (sem uma ressalva do tipo «parece-me que») se não estivesse no meu juízo perfeito.

Respondendo directamente à pergunta do consulente («tem dúvidas a esse respeito e prefere não afirmar?»), gostaria de esclarecer que as minhas dúvidas são as de quem tem a noção de que não sabe tudo, nem pode saber tudo. Mas não escondo nada daquilo que sei, nem daquilo que não sei.

Pergunta:

Preciso de traduzir algumas onomatopeias do inglês, tais como: whizz, fizzle, whoosh, pop. Tem alguma sugestão? Ou sabe se existe alguma fonte que possa consultar?

Muito obrigado.

Resposta:

Na Wikipédia há uma lista bastante extensa de onomatopeias em diversas línguas, que no entanto não serve para traduzir as palavras que o consulente apresenta.

Existem, ainda, as seguintes obras: Júlio de Lemos, Pequeno Dicionário Luso-Brasileiro de Vozes de Animais (Onomatopeias e definições). Com uma carta e um estudo de Augusto Moreno; Rodrigo de Sá Nogueira, Elementos para Um Tratado de Fonética Portuguesa, Lisboa, Centro de Estudos Filológicos, 1938; Rodrigo de Sá Nogueira, As Onomatopeias e o Problema da Origem da Linguagem, Lisboa, Livraria Clássica Editora, 1950; E. Estrela et al., Saber Escrever, Saber Falar: Um guia completo para usar correctamente a língua portuguesa, Lisboa, D. Quixote, 2004.

Quantos aos termos que o consulente refere, julgo que whizz e fizzle serão mais difíceis, se não impossíveis, de traduzir em português. Whizz designa um som relacionado com movimento rápido, uma espécie de sopro, silvo, assobio ou sussuro — embora estas palavras portuguesas não transmitam a ideia de que o som está associado à velocidade. Fizzle também pode ser um sopro ou silvo, mas com uma qualidade especial (inclusive de tom), muitas vezes associada à expressão de desagrado (quando produzido por pessoas).

Whoosh, se se referir ao som da água a jorrar ou a inundar uma superfície, talvez fosse traduzido por splash numa banda desenhada portuguesa, ainda que o termo não esteja consagrado entre nós. Mas whoosh também se pode referir ao sopro do vento, remetendo-nos de novo para o sussuro, o assobio, o sopro ou o silvo — por exemplo, de uma forte corrente de ar que faz abrir uma porta.

A onomatopeia pop, que representa por exemplo o som de uma rolh...

Pergunta:

Ao consultar um livro sobre teatro, deparei-me com a palavra sianalética. Não consegui, nas minhas pesquisas, encontrar uma definição para este termo. Peço, pois, a vossa ajuda.

Obrigada.

«Função do figurino

[...] O corpo sempre é socializado pelos ornamentos ou pelos efeitos de disfarce ou ocultação, sempre caracterizado por um conjunto de índices sobre idade, sexo, a profissão ou classe social. Essa função sianalética do figurino é substituída por um jogo duplo: no interior do sistema da encenação, como uma série de signos ligados entre si por um sistema de figurinos mais ou menos coerente; no exterior da cena, como referência ao nosso mundo, onde os figurinos também têm um sentido.[...]» PAVIS, Pratice, 1947 — Dicionário do Teatro; tradução para língua portuguesa sob a direção de J. Guinsburg e Maria Lúcia Pereira — São Paulo: Perspectiva, 2005 (p. 169).

Resposta:

Há obviamente uma falha tipográfica no texto em questão, e a palavra em causa será sinalética.

Enquanto adjectivo, sinalético faz referência ao substantivo sinalética, que, por sua vez, neste contexto, será o «conjunto de elementos que compõem uma sinalização» (segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa). De acordo com o mesmo dicionário, o adjectivo sinalético deriva do francês signalétique, cujo significado é mais elucidativo: «que contém a sinalização, a descrição de alguém ou alguma coisa».

No excerto que apresenta, a «função sinalética» será a de fornecer «um conjunto de índices sobre idade, sexo, a profissão ou classe social».

Pergunta:

Foram recentemente aprovados os novos estatutos da Entidade Regional de Turismo do Algarve, nos quais se esclarece que a designação futura da mesma passa a ser Turismo do Algarve. Mas quando a portaria faz referência ao nome Turismo do Algarve, fá-lo sempre no feminino: «A sede da Turismo do Algarve situa-se em Faro.»

Qual a grafia correcta: a Turismo do Algarve (versão que tem implícita a palavra «entidade») ou o Turismo do Algarve (versão que valoriza o género das duas palavras – masculino)?

Muito obrigada pela atenção.

Resposta:

À partida, e penso que para qualquer falante de português, a concordância desejável entre o determinante (o/a) e o nome (neste caso, Turismo) leva a que a construção «o Turismo do Algarve» seja preferível a «a Turismo do Algarve».

No segundo caso, o aparente paradoxo «a Turismo» justificar-se-á pelo facto de o determinante feminino concordar, como a consulente refere, com a palavra entidade, que no entanto está implícita.

Embora perceba que não se queira usar «o Turismo» por não se estar a designar, neste contexto, a “actividade dos turistas”, a verdade é que as maiúsculas em Turismo do Algarve já demonstram que se trata de nome próprio (de uma entidade). Para além disso, se a expressão «Entidade Regional» vai ser deliberadamente retirada do nome, não será forçado insistirmos na importância de lhe estar subjacente uma realidade que pertence ao género feminino? Afinal, também podemos dizer que se trata de um “organismo”, havendo ainda entidades com a designação, por exemplo, de “institutos” (como o Instituto de Seguros de Portugal).

Na minha opinião, é preferível usar a construção que soa melhor e estabelece concordância gramatical entre os termos: «o Turismo do Algarve».