Sara de Almeida Leite - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara de Almeida Leite
Sara de Almeida Leite
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Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português e Inglês, pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa; mestre em Estudos Anglo-Portugueses; doutorada em Estudos Portugueses, especialidade de Ensino do Português; docente do ensino superior politécnico; colaboradora dos programas da RDP Páginas de Português (Antena 2) e Língua de Todos (RDP África). Autora, entre outras obras, do livro Indicações Práticas para a Organização e Apresentação de Trabalhos Escritos e Comunicações Orais ;e coautora dos livros SOS Língua Portuguesa, Quem Tem Medo da Língua Portuguesa, Gramática Descomplicada e Pares Difíceis da Língua Portuguesa e Mais Pares Difíceis da Língua Portuguesa.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Uma das áreas de negócio mais novas e florescentes que existem na Internet tem que ver com a compra e venda de nomes de domínio.

Os ingleses chamaram a isto domaining, e a quem o pratica, domainer. Os franceses usam domaineur, a partir do termo domaines.

A minha pergunta é: como será o correcto em Portugal? Mais cedo ou mais tarde, será necessário começar a usar esta terminologia, e vale mais começar pelo português correcto, enquanto ainda há tempo.

Será "domineiro", como em barbeiro, costureiro, coveiro ou garimpeiro? Ou talvez "dominista", como em dentista, desenhista, economista ou electricista? Talvez "dominário", como em empresário, bancário ou ferroviário?

Acredito menos em "dominólogo", como em filósofo, "dominante", como em figurante, ou "dominador", como em aviador, pois já existem e têm outras conotações.

Comércio e negócio também acabam em "io". Não me digam que é "dominiante"?! Se for a partir de palavras em inglês que já existem, painter dá-me "domin...

Resposta:

Começo por elogiar a sensatez do consulente, pelas palavras que cito: «Mais cedo ou mais tarde, será necessário começar a usar esta terminologia, e vale mais começar pelo português correcto, enquanto ainda há tempo.» Com efeito, seria desejável que todos os falantes se preocupassem assim com o modo como traduzimos e criamos conceitos, procurando não desvirtuar a língua.

A proposta é, então, criar um outro nome a partir de domínio, cujo significado seja «o negócio de comprar e vender domínios» — nome actualmente implantado em português (tradução de domain) para designar a principal subdivisão dos endereços electrónicos, que indica o tipo de organização que lhe está subjacente. Por exemplo, “.edu”, para organizações educativas, “.com” para organizações comerciais, mas também “.pt” para endereços de Portugal (sendo a FCCN* a organização responsável por este domínio, no nosso país).

Em inglês, domaining resolve o problema: trata-se de um substantivo formado a partir do verbo to domain no gerúndio (como shopping, jogging e marketing, outros nomes bem conhecidos dos falantes de português). Na nossa língua, emprega-se a expressão «gestão, registo e manutenção de domínios» — nomeadamente na legislação. Parece-me que, para já, não será necessário criar um termo equivalente a domaining apenas para que possamos usar uma palavra só em vez de duas ou três.

Quanto à pessoa que negoceia na área dos domínios, concordo que as hipóteses levantadas pelo consulente são artificiais e, ainda que fossem lógicas, teriam decerto difícil aceitação por parte dos falantes. Por que motivo não se lhe há-de chamar «gestor de domínios», ou «vendedor de domínios»? Afinal, também não existe um nome para a profissão de vendedor de automóveis, de medi...

Pergunta:

As palavras "drunfar", "drunfado(a)" e "drunfo(s)" (com os significados respectivos de «drogar», «drogado(a)», «droga(s)», especificamente no que respeita a medicamentos calmantes, ansiolíticos, etc.) estão dicionarizadas? Não as encontro em nenhum dicionário, mas são correntes até na TV e há ocorrências significativas no portal Google da Internet, se bem que sempre tenha desconfiado tratar-se de "invenções" populares... Mas com que fundamento? Encontrei o seguinte significado num dicionário electrónico de calão: "Drunfar" — «Estar "embriagado" com hipnóticos ou outros sedativos»...

Resposta:

No Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, o substantivo drunfo encontra-se registado como termo da gíria, de origem obscura, e tem a seguinte definição: «Qualquer comprimido sedativo, em especial, os hipnóticos.» O verbo drunfar é derivado de drunfo, e o adjectivo drunfado corresponde à forma participial do verbo.

Pergunta:

Estou a fazer uma tradução e há a frase «sorriso fechado»... O que é que significa esta frase?

Obrigada!

Resposta:

O adjectivo fechado tem muitos significados, entre os quais o seguinte: «diz-se de fisionomia séria, grave, que não transmite emoção» (segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa). Assim, um «sorriso fechado» será um sorriso que revela pouco ou nada sobre as emoções de quem sorri.

Pergunta:

Gostaria de saber se a seguinte frase se pontua ou não com dois-pontos, uma vez que não há qualquer verbo que introduz o discurso directo.

«No entanto, ela não reagiu como Afonso gostaria:
— Tu não sabes o que dizes, Afonso!»

Obrigada.

Resposta:

Os dois-pontos devem ser utilizados para introduzir frases em discurso directo, independentemente de haver um verbo, como disse, perguntou, declarei, etc., a precedê-los. Aliás, na minha opinião, a ausência dessa palavra indicativa do que vem a seguir ainda torna mais importante a presença dos dois-pontos antes de uma fala.

O excerto que a consulente apresenta é muito mais claro tal como está do que seria se houvesse ponto após a palavra «gostaria», pois não teríamos tanta certeza de a frase seguinte ser pronunciada pela personagem referida como «ela».

Pergunta:

«Falhar miseravelmente» e fazer algo «como se não houvesse amanhã» são expressões cada vez mais comuns. Me parecem aceitáveis e inteligíveis, mas a experiência diz que vêm do inglês, transpostas literalmente. Deveriam ser consideradas anglicismos (e evitadas como tal)?

Resposta:

De facto, as expressões que refere são traduções literais de expressões inglesas e, tanto quanto pude apurar, não têm tradição em português. Pessoalmente, desaconselharia o seu uso, embora com consciência de que o purismo acaba por perder sempre as batalhas que trava contra a força do hábito.

A expressão «como se não houvesse amanhã» usa-se para qualificar um comportamento sôfrego e desesperado, que seria característico de alguém que quisesse aproveitar ao máximo o que pudesse, sabendo que o mundo iria acabar em breve. A avaliar pelo número de ocorrências que tem na Internet (66 800 no Google), trata-se de um anglicismo bastante popular entre os falantes de língua portuguesa e é provável que venha a ser consagrado pelo uso, se não foi ainda. Contudo, existem alternativas. Por exemplo, «como se o mundo fosse acabar» (hoje/amanhã/agora, etc.).

«Falhou miseravelmente» tem 5850 ocorrências, o que também é significativo, mas é uma expressão, a meu ver, menos aceitável, pois parece-me mais natural e adequado traduzir miserably nesse contexto por completamente, calamitosamente, desgraçadamente ou redondamente, entre outros advérbios.