Sandra Duarte Tavares - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sandra Duarte Tavares
Sandra Duarte Tavares
80K

É mestre em Linguística Portuguesa pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. É professora no Instituto Superior de Comunicação Empresarial. É formadora do Centro de Formação da RTP e  participante em três rubricas de língua oortuguesa: Agora, o Português (RTP 1), Jogo da Língua  e Na Ponta da Língua (Antena 1). Assegura ainda uma coluna  mensal  na edição digital da revista Visão. Autora ou coa-autora dos livros Falar bem, Escrever melhor e 500 Erros mais Comuns da Língua Portuguesa e coautora dos livros Gramática Descomplicada, Pares Difíceis da Língua Portuguesa, Pontapés na Gramática, Assim é que é Falar!SOS da Língua PortuguesaQuem Tem Medo da Língua Portuguesa? Mais Pares Difíceis da Língua Portuguesa e de um manual escolar de Português: Ás das Letras 5. Mais informação aqui.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Num recinto desportivo, vai proceder-se à entrega de medalhas à equipa que venceu a final e à finalista vencida. As duas equipas, uma constituída apenas por rapazes e a outra apenas por raparigas, encaminham-se para o pódio.

Na bancada, trava-se o seguinte diálogo entre um espectador [E1], muito surdo e muito maçador, que acaba de se sentar, atrasadíssimo, sem ter tido oportunidade de assistir à partida, e um outro [E2], atento, que sabe tudo do torneio porque assistiu às partidas todas:

E1 – Quem são os vencedores, eles ou elas?

E2 – Os vencedores são eles.

E1 – E eles são quem?

E2 – Eles são os vencedores!

E1 – Eles são os vencedores?

E2 – Sim, eles são os vencedores!

E1 – Os vencedores são elas?

E2 – Não, os vencedores são eles!

E1 – Os vencedores são, então, eles…

E2 – Sim, são eles os vencedores! E agora chiu, que vai tocar o hino.

«[…] Em conclusão, sempre que uma frase já contenha um pronome nominativo, então está identificado o sujeito, porque um pronome nominativo substitui unicamente o constituinte que desempenha essa função sintáctica. […]» - Sandra Duarte Tavares, 25/02/2008

Se bem entendo mais este esclarecimento do Ciberdúvidas, que agradeço, o sujeito, em todas as frases do diálogo acima ficcionado, é «eles» ou «elas»; o predicativo do sujeito é sempre «os vencedores». Será assim? Continuo a achar que há por ali sujeitos e nomes predicativos distintos…

Muito ob...

Resposta:

Prezado consulente, julgo que a sua convicção de que «há por ali sujeitos e nomes predicativos distintos» se deve ao facto de as frases deste diálogo imprimirem uma certa ênfase, dada pela pontuação, repetições sucessivas, etc.

Aliás, a inversão da ordem básica dos constituintes ocorre precisamente quando queremos dar especial enfoque a algum dos elementos da frase. Por exemplo:

«O doce de tomate, comeram as crianças!»

Todavia, para efeitos de foco, a deslocação de um elemento da frase não altera a sua função sintáctica. A expressão «o doce de tomate» é o complemento directo, ainda que deslocado da sua posição básica (repare que o verbo concorda com «as crianças»).

Quero com isto dizer que nas frases «Eles são os vencedores», «Os vencedores são eles», «São eles os vencedores» (e inclusive as que contêm o pronome interrogativo quem), o pronome pessoal eles corresponde sempre ao sujeito, porque reitero: não há outro constituinte na frase, senão o sujeito, que possa ser substituído por um pronome pessoal nominativo.

Um pronome pessoal nominativo (eu, tu, ele) substitui o sujeito;

Um pronome pessoal acusativo (-me, -te, -o) substitui o complemento directo;

Um pronome pessoal dativo (-me, -te, -lhe) substitui o complemento indirecto;

Todas as outras funções sintácticas (complementos preposicionais, predicativo do sujeito, do complemento directo, etc.)...

Pergunta:

Gostaria de saber qual é o comparativo de inferioridade do adjectivo bom. Será «menos bom do que»? Esta forma não é muito utilizada (já que se emprega mais frequentemente «pior do que», comparativo de superioridade de mau); por isso tenho dúvidas se será ou não correcta.

Resposta:

O grau comparativo de inferioridade do adjectivo bom é, de facto, menos bom do que, uma vez que a expressão pior do que se refere ao grau comparativo de superioridade do seu oposto: mau.

Pergunta:

Apesar de haver respostas a esta questão, continuo com dúvidas, pois, por vezes, há quem tenha em conta a TLEBS, e esta não está em vigor no ensino básico. Penso que predicado é o verbo quando este é intransitivo, e verbo + complementos directo e indirecto quando o verbo os pede; no entanto, há opiniões contrárias. Há quem considere também os complementos circunstanciais como parte integrante do predicado. Como analisar as frases «Para a barca infernal vou» ou «Gil Vicente escreveu, há séculos, o Auto da Barca»? «Para a barca infernal» e «há séculos» integram o predicado?

Grata pela atenção.

Resposta:

Neste, como em tantos outros aspectos da gramática, não há consenso entre os autores, o que dificulta o trabalho de quem precisa de um fio condutor para fazer uma simples análise sintáctica.

A TLEBS revista (2007) diz o seguinte a propósito do predicado:

«Predicado é a função sintáctica desempenhada pelo grupo verbal. Grupo verbal: grupo de palavras cujo constituinte principal é um verbo e que funciona como uma unidade sintáctica. O grupo verbal pode ser constituído exclusivamente pelo verbo ou complexo verbal, ou por um verbo e pelos seus complementos e/ou modificadores

Conclui-se que, segundo a TLEBS, o predicado inclui o verbo, os seus complementos e os modificadores; por conseguinte, o predicado da frase 1 é: «para a barca do inferno vou», e o da frase 2: «escreveu há séculos o Auto da Barca».

De outro lado, autores há que consideram que o predicado inclui apenas o verbo e os seus complementos, ou seja, os constituintes que fazem parte da grelha argumental do verbo, sem os quais o significado global da frase fica...

Pergunta:

Mão amiga fez-me chegar este texto-circular, que a seguir transcrevo, do director da agência de notícias Lusa, Luís Miguel Viana, contrariando o que sempre foi o meu entendimento sobre o verdadeiro sentido do verbo despoletar  — na esteira, aliás, do muito que se tem escrito sobre o assunto, no Ciberdúvidas.

Apreciava muito um novo comentário vosso.

 

 

 

 

CIRCULAR

Direcção

de Informação

De: Luís Miguel Viana

Para: DL_jornalistas

C/C:

Refª: DI-LMV/08

   

Data: 26/02/08

Começa a preocupar-me o ritmo com que os erros grosseiros se vão instalando na língua. Já não bastam o «dia solarengo» em vez de soalheiro, a cessão do contrato» em vez de cessação, a «factura descriminada» em vez de discriminada», e agora também o «despoletar» significando «deflagrar, desencadear». 

Vamos primeiro aos factos lexicais.

Espoleta é um termo militar que designa o dispositivo que produz a detonação das cargas explosivas, como por exemplo, uma granada. Quando activamos esse dispositivo, usamos o verbo espoletar, que significa «pôr a espoleta em», logo, «fazer deflagrar a granada». Se tirarmos a espoleta, a granada fica inactiva.1 Para esta acção, usamos o verbo despoletar, que significa, portanto, «tirar a espoleta a; tornar impossível o disparo de»; «(Figurado) anular algo, travar o desencadeamento de».2

Agora, os factos morfológicos.

Despoletar é um verbo derivado por prefixação, por intermédio do prefixo des-, que, tal como tantos outros elementos gramaticais, é polissémico, ou seja, veicula diferentes significados dependendo da base a que se agrega. Pode significar:

1. Negação: desaprovar (= «não aprovar»); desleal (= «não leal»);

2. Ação contrária: desmentir (= «acção inversa ...

Pergunta:

Mais uma vez, as minhas felicitações pelo vosso/nosso Ciberdúvidas. Sempre excelente.

Encontrei num texto proveniente de Serviços Financeiros a palavra "disciplinização". Não a encontro nos dicionários a que tenho acesso. Só: "disciplinação". Fazem-me o favor de me dizer se aquela palavra existe e, se sim, qual o seu significado?

Muito obrigado.

Resposta:

Essa palavra, de facto, não existe. Dos dicionários consta apenas disciplinação, formada a partir do verbo disciplinar, por intermédio do sufixo nominal -ção.

No entanto, no campo das hipóteses, uma palavra possível na língua seria, por exemplo, *disciplinarização1, dado que a palavra disciplinar pode igualmente ser um adjectivo. E o sufixo -izar associa-se a adjectivos para formar verbos, por exemplo, formalizar (formal + izar; normalizar (normal + izar); *disciplinarizar (disciplinar (adjectivo) + izar).

Por sua vez, o sufixo -ção associa-se a verbos, e então teríamos o nome *disciplinarização. Mas repito, no campo hipotético da morfologia do português!

Atestada, apenas disciplinação!

Disponha sempre!

1 O asterisco indica forma hipotética.