Pedro Mateus - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Pedro Mateus
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Pedro Mateus, licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, Estudos Portugueses e Franceses, pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa; mestrado em Literaturas Românicas, na área de especialização Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea pela mesma Faculdade.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

A minha pergunta é: na frase «Gostava de ver um filme, mas nenhum me agrada», nenhum entende-se como quantificador, ou como pronome indefinido?

Outra pergunta é: qual a diferença entre quantificador e pronome indefinido?

Resposta:

Julgo que a definição de pronome indefinido proposta pelo Dicionário Terminológico (DT) será suficientemente esclarecedora: «Pronome que admite variação em género e número, correspondente ao uso pronominal de um quantificador ou de um determinante indefinido.»

Deste modo, na frase proposta pela consulente, nenhum será um pronome indefinido, ou, se se preferir, um quantificador (negativo, de acordo com a classificação proposta por Maria Helena Mira Mateus e outros, Gramática da Língua Portuguesa, p. 235) usado em contexto pronominal – «Gostava de ver um filme, mas nenhum [filme] me agrada.»

Porém, se o enunciado fosse «Nenhum filme me agrada», «nenhum» já seria cabalmente entendido, na minha opinião, como quantificador (negativo), e não como pronome indefinido, já que, neste enquadramento específico, a referida palavra indicaria que, tomando como referente um conjunto de filmes, nenhum deles seria do gosto do enunciador (cf. DT, domínio B.3: classes de palavras).

Finalmente, valerá ainda a pena complementar a presente resposta com a seguinte nota: num enunciado do tipo «Nenhum homem é imortal», «nenhum» seria ainda entendido como quantificador universal (cf. DT), pois, neste caso, «quantifica universalmente» (Maria Helena Mira Mateus, idem, p. 231) «homem».

Pergunta:

Na frase «Se você tem um fígado saudável, parabéns», o uso da vírgula é obrigatório?

Resposta:

O uso da vírgula, neste caso concreto, será aconselhável, já que separa uma oração subordinada adverbial (condicional) – «Se você tem um fígado saudável» –, que se encontra anteposta à principal – «parabéns» (cf. Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, p. 645).

Pergunta:

Na frase «Assim, sempre houve esta sensação de vergonha e culpa», qual a classe e a subclasse de assim?

Resposta:

Na frase proposta pela estimada consulente, assim será um advérbio (classe) de modo (subclasse) (cf. Lindley Cintra e Celso Cunha, Nova Gramática do Português Contemporâneo, p. 539), podendo facilmente ser substituído, por exemplo, pelo constituinte «deste modo».

De acordo com o Dicionário Terminológico (DT), assim, no contexto específico deste enunciado, que certamente surgirá na sequência de um outro anterior, deverá ser entendido, julgo eu, como um advérbio (classe) conectivo (subclasse)1, já que permite estabelecer nexos «entre frases ou constituintes da frase, como, por exemplo, relações de consequência, de contraste ou ordenação. [...] O Pedro falou com a Maria. [Seguidamente], foi para casa; Alguns alunos desta turma, [designadamente] o Pedro e o João, estão de parabéns; O professor caiu. [Consequentemente], partiu uma perna; Está frio. O João, [contudo], vestiu uns calções; [Primeiro] batem-se os ovos com o açúcar, [seguidamente] deita-se o leite e a farinha, [finalmente] leva-se tudo ao forno» (Domínio B.3: Classes de palavras).

Num outro contexto, o constituinte assim poderia eventualmente ser classificado (ainda de acordo com o DT) como um advérbio de predicado – pelo facto de poder «ocorrer internamente ao grupo verbal» –, com valor de modo (Domínio B.3: Classes de palavras), ex.: «Os rapazes cantam

Pergunta:

É correcto usar a palavra crescendo fora da área musical, como nas expressões «um crescendo de problemas» ou «problemas em crescendo»?

Resposta:

Sim, é possível.

Na generalidade dos dicionários de referência consultados, para além da definição associada à área musical, surgem outras, tal como «gradação, intensificação progressiva, exemplos.: crescendo emocional, crescendo dramático, ritmo cinematográfico num crescendo, o presidente renunciou quando a indignação popular atingiu um crescendo» (Dicionário Houaiss); «Aumento progressivo e geral» (Priberam).

Atente-se, ainda, nestes exemplos retirados do Corpus CETEMpúblico: «Assim, uma eventual dissolução da Assembleia da República só facilitaria um crescendo do partido do Governo»; «transformando toda a ação num crescendo de situações absurdas»; «fazendo coincidir os passos da sua ascensão pública com um crescendo de excessos privados.».

Pergunta:

É correcto juntar as palavras muito e mais a um advérbio de modo como raramente? Ou seja, será correcto usar uma expressão como «muito mais raramente»?

Resposta:

Numa perspetiva estritamente linguística, não vejo qualquer tipo de impedimento numa expressão deste tipo, já que «muito mais raramente» significará «de forma muito mais rara».

Do ponto de vista semântico, e no que diz respeito a este enunciado concreto, poderemos eventualmente tecer algumas considerações, pois raramente significa «De modo raro; com pouca frequência» (Priberam). Assim, tendo em conta esta aceção, poder-se-á dizer que «muito raramente» já poderá significar «quase nunca», sendo que a expressão «muito mais raramente» nos deixará, consequentemente, em termos semânticos, uma margem de manobra mínima (ou até nula) para podermos estabelecer uma diferença viável entre a citada expressão e nunca. No entanto, será sempre possível fazê-lo em termos comparativos, ex.: «O João vai a minha casa muito raramente. Ainda assim, o António vai lá muito mais raramente do que o João.»

Direi, portanto, que, em termos semânticos, a expressão «muito mais raramente» será, digamos, algo extravagante, mas possível e aceitável.