Pedro Mateus - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Pedro Mateus
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Pedro Mateus, licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, Estudos Portugueses e Franceses, pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa; mestrado em Literaturas Românicas, na área de especialização Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea pela mesma Faculdade.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Como se distinguem constituintes imediatos de frase de grupos frásicos no âmbito do DT?

Resposta:

Segundo o Dicionário de Linguística, de Jean Dubois e outros, «a teoria da estrutura em constituintes imediatos de uma frase lança como princípio que toda a frase da língua é formada não por uma simples sequência de elementos discretos, mas por uma combinação de construções que formam os constituintes de uma frase, sendo esses constituintes, por sua vez, formados por constituintes de ordem inferior. Assim, uma frase é feita de diversas camadas de constituintes. Tomemos a frase: A criança atira a bola. A teoria dos constituintes descreve a sua estrutura como a combinação (concatenação) de dois constituintes: um sintagma nominal (A criança) e um sintagma verbal (atira a bola)» (16.ª ed., Cultrix, São Paulo, 2011, p. 146).

No Dicionário Terminológico (DT), os grupos nominal, adjetival, verbal, preposicional e adverbial encontram-se incluídos no item «constituintes da frase» (B.4.1. Frase e constituintes da frase).

Deste modo, se substituirmos o termo «constituintes imediatos de frase» por «constituintes de frase», e «sintagmas» por «grupos», verificamos que o princípio do raciocínio é exatamente o mesmo.

Pergunta:

Na frase «Hoje, a hipocondria tornou-se a doença mais frequente nos países desenvolvidos, já que falamos de uma doença ligada ao stress (...)», como devemos classificar a oração começada por «já que»?

Coordenada conclusiva? Ou subordinada? E, neste caso, causal, ou consecutiva?

Resposta:

1) Maria Helena Mira Mateus e outros, Gramática da Língua Portuguesa, p. 712, referem que «a subordinada causal pode ser iniciada pelos seguintes conetores: porque, como, pois que, uma vez que, visto que, já que, dado que».

2) Se tivermos em conta que o stress se encontra tradicionalmente associado ao tipo de vida praticado nos países desenvolvidos, podendo ser parcialmente responsável, portanto, por doenças como a hipocondria,, julgo que será ajustado e aceitável considerar que se estabelece uma relação de causalidade entre as orações sugeridas pelo consulente. Atente-se:

- «Porque falamos de uma doença ligada ao stress, hoje, a hipocondria tornou-se a doença mais frequente nos países desenvolvidos»

ou

- «Por causa de ser uma doença ligada ao stress, hoje, a hipocondria tornou-se a doença mais frequente nos países desenvolvidos»

ou

-«Como falamos de uma doença ligada ao stress, hoje, a hipocondria tornou-se a doença mais frequente nos países desenvolvidos»

ou

- «Hoje, a hipocondria tornou-se a doença mais frequente nos países desenvolvidos, uma vez que falamos de uma doença ligada ao stress»

ou

- «Hoje, a hipocondria tornou-se a doença mais frequente nos países desenvolvidos, visto que falamos de uma doença ligada ao stress», ….

Assim, direi que a oração «já que falamos de uma doença ligada ao stress», neste contexto específico, é subordinada causal.

Pergunta:

Por favor, gostaria de saber se tem vírgula (após a palavra proteína) na seguinte frase: «Alimentos servidos no café da manhã variam bastante de um lugar para outro, mas com frequência os grãos ou cereais, fruta e/ou legumes, uma proteína, como ovos, carne ou peixe e um fruto ou suco de legumes são incluídos.»

Resposta:

Na Nova Gramática do Português Contemporâneo, Celso Cunha e Lindley Cintra, p. 641, notam que a vírgula serve «para isolar qualquer elemento de valor meramente explicativo».

Assim, e tendo em conta que o excerto «como ovos, carne ou peixe» é um constituinte «meramente explicativo», neste caso, intimamente associado ao nome «proteína», e que poderia até ser excluído do enunciado sem prejuízo algum para a sua gramaticalidade («fruta e/ou legumes, uma proteína e um fruto ou suco de legumes»), o uso da referida vírgula no contexto enunciado pela consulente faz todo o sentido.

Pergunta:

Agradeço as vossas estimadas explanações sobre a legitimidade do uso desta expressão. No entanto, a minha dúvida subsiste, pois parece-me que o significado “roubado” para a construção de «em termos de» é o de «vocábulo» e não o de «limite». Se fosse limite, não deveríamos dizer «nos [em os] termos de»? Além disso, por exemplo, a expressão «em termos sociológicos» tem precisamente o significado de «vocábulos», ou seja, as palavras próprias (terminologia) de uma arte, saber, actividade, profissão, ciência ― neste caso a sociologia. Todavia, e de acordo com a vossa análise, «em termos de sociologia» significa «na área da/nos limites da/se nos limitarmos à sociologia». Pergunto, então, como é que se explica a mudança semântica de termos nesta expressão consoante ela integre um substantivo, designando «área»/«limites», ou valha-se de um adjectivo, passando a significar «palavras»/«vocábulos»?

Resposta:

Em todos os dicionários de referência consultados, para além dos significados do vocábulo termo já elencados na resposta anterior, surge igualmente um outro, relacionado justamente com a ideia veiculada pelo prezado consulente, ex.: «unidade do léxico; vocábulo, palavra»; «palavra (ou locução) rigorosamente definida que designa um conceito próprio de um determinado campo das ciências, da tecnologia, das artes etc.» (Dicionário Houaiss). Deste modo, o significado da palavra dependerá invariavelmente do contexto enquadrador de cada um dos enunciados.

No que diz respeito à observação feita pelo consulente sobre o uso preferencial da expressão «nos termos de...», direi o seguinte: se atentarmos, mais uma vez, nas ocorrências registadas no Corpus CETEMpúblico, reparamos que a referida formulação («nos termos de...») é igualmente utilizada, sobretudo em contextos mais específicos, nomeadamente de cariz jurídico, ex.: «Efetivamente, nos termos da [nos limites da/em termos de] Constituição, constitui reserva da Assembleia da República a legislação sobre o regime geral do arrendamento rural e urbano»; «os atuais acionistas do grupo, após a concretização desta operação, subscreveram um acordo nos termos do qual são mantidos os objetivos [...]»; «correm também o risco de ter de aguardar o julgamento em regime de prisão preventiva, nos termos da [no enquadramento dos limites da] proposta formulada pelo Ministério Público. Por outro lado, podemos igualmente detetar contextos em que se utiliza a expressão «em termos de...», mas nos quais poderíamos eventualmente optar pela formulação «nos termos de...», ex.: «Os resultados da inflação em França no mês de Junho, divulgados ontem, que situam a subida dos preços em 3,3 por cento em termos de [nos termos da] média anual, nã...

Pergunta:

O advérbio nomeadamente deve ser colocado entre vírgulas, numa frase? Já vi com vírgula antes e depois (penso que foi assim que aprendi), com vírgula antes mas não depois, e sem vírgula antes ou depois. Como é a forma correcta?

Resposta:

Segundo Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, pp. 641-642, «A vírgula serve [...] para isolar o adjunto adverbial antecipado», porém, «quando os adjuntos adverbiais são de pequeno corpo (um advérbio, por exemplo [como é o caso da palavra nomeadamente]), costuma-se dispensar a vírgula. A vírgula é, contudo, de regra quando se pretende realçá-los.» Ex.: «Depois levaram Ricardo para a casa da mãe Avelina»; «Depois, tudo caiu em silêncio» (itálicos e parêntesis retos meus).

Deste modo, e respondendo diretamente à questão do consulente, creio que não existirá uma regra cabal que obrigue ao uso da vírgula antes, depois, ou antes e depois, da palavra sugerida pelo consulente, sendo que a sua utilização será, portanto, opcional, dependendo da intenção comunicativa do enunciador. Atente-se, por exemplo, nas seguintes ocorrências: «Coordenar os cursos do ensino secundário, nomeadamente, praticar todos os actos necessários e inerentes à gestão pedagógica nos seguintes exemplos [...]» (Diário da República); «Vários responsáveis regionais, nomeadamente o ministro da República, contestaram os despedimentos [...]»; «Apesar de Duisenberg não ser particularmente simpático para os países do Sul, devido nomeadamente aos comentários depreciativos sobre os seus esforços de saneamento das finanças públicas [...]» (Corpus CETEMPúblico).