Maria Regina Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Observe a frase: Os turistas dirigiam-se ao litoral, onde a natureza os esperava. Em um exemplo de oração sub. adjetiva restritiva, o autor utilizou a frase acima. Acredito ser mesmo restritiva, mas o uso da vírgula antes da palavra "onde" está correto? Por quê? Obrigado e aguardo resposta.

Resposta:

A frase está correctamente pontuada. Não considero que a oração referida seja uma oração subordinada adjectiva restritiva. "Onde" é um advérbio pronominal relativo. Introduz uma oração subordinada relativa adverbial, que exprime uma circunstância e não um aspecto essencial, restritivo, de "litoral". Os turistas não se dirigiram a um litoral particular caracterizado pelo facto de a natureza aí os esperar (noção restritiva), mas ao litoral (termo genérico), a respeito do qual se acrescenta uma circunstância, algo de adjacente: aí a natureza esperava os turistas.

Pergunta:

Pertenci, no passado, à direcção da SLP.

Agradeceria o favor da vossa ajuda em relação aos termos alheira e tabafeira.

Sei os significados, mas necessito de saber:

– quando e onde foram utilizados pela primeira vez.
– qual a etimologia estudada do segundo termo tabafeira. Embora os dois termos designem produtos diferentes, poderá haver alguma ligação etimológica com tabefe?

Como vivo em Israel, não disponho aqui de dicionário histórico da língua portuguesa e no dicionário etimológico que possuo, como também no dicionário do Sr. Dr. José Pedro Machado – a quem peço o favor de apresentar os meus cumprimentos de muita amizade e admiração – não encontro resposta para a segunda pergunta.

Muito grato.

Resposta:

O termo alheira diz respeito a um produto alimentar fabricado originariamente em Trás-os-Montes e no Alentejo, designando realidades ligeiramente diferentes: chouriça transmontana temperada com alhos e chouriça de massas, do Alentejo. Quanto ao termo tabafeira (o mesmo que tabafeia), trata-se de um provincianismo transmontano que designa chouriço recheado de pão de trigo, gordura e carnes, cozidas, de várias qualidades, próprio para se comer logo depois de feito. Aparece também como sinónimo de alheira. Na Grande Enciclopédia da Cozinha, de Maria de Lourdes Modesto, está registado como o nome que se dá em Trás-os-Montes a um chouriço recheado de pão de trigo, gorduras e carnes, tudo cozido. Se pretende saber a obra em que as palavras aparecem utilizadas pela primeira vez, não consegui obter tal informação. Poderei dizer que, a nível de dicionários, a palavra alheira aparece registada pela primeira vez na 7.ª edição do Dicionário da Língua Portuguesa, de António de Morais Silva, de 1878 ("alhèira"), remetendo para aliária ("alliária"), que significa "planta, espécie de escórdio; lança talos delgados e folhas semelhantes às das violas, tem o cheiro de alho". Ou seja, o termo já está dicionarizado, mas ainda não vem referida a sua acepção de "espécie de chouriço temperado com alhos que se fabrica em Trás-os-Montes", como aparece na 10.ª edição (1949-1958) do mesmo dicionário. É apenas no Dicionário Geral e Analógico da Língua Portuguesa, de Artur Bivar (1948), que, além do significado de "chouriça transmontana", aparece o de "chouriço de massas, do Alentejo". Quanto à palavra tabafeira, ela aparece registada como tabafeia na 8.ª edição do referido dicionário de António de Morais Silva, de 1890, como termo de Trás-os-Montes, significando variedade de chouriço de carne, em que entram miúdos de porco, galinha, etc., devendo por sua composição especial comer-se pouco depois de feito. A referência à sua sin...

Pergunta:

Ao redigir uma receita com meus alunos, surgiu-nos uma dúvida que as gramáticas que consultei não resolveram. Por isso recorro mais uma vez a essa equipe que presta a todos nós um serviço de tanta qualidade. A dúvida é quanto à concordância do adjetivo frio na frase: "Sirva-as (estamos falando de fatias de bolo) frias." Está correta assim?

O que também causou dúvida foi a função sintática do "frias". É predicativo do objeto? O verbo servir pode ser construído com predicativo do objeto, como ver, encontrar e outros que as gramáticas apontam? "Servir o café gelado" e "encontrar o menino triste" são frases semelhantes quanto à estrutura sintática?

Muito obrigada, mais uma vez.

Resposta:

A sua análise está correctíssima, cara consulente.

A frase e expressões que apresenta têm a mesma estrutura, estão bem construídas, e os adjectivos "frias", "gelado" e "triste" desempenham a função de nome predicativo do complemento directo (predicativo do objecto, na nomenclatura gramatical brasileira).

Em nome do Ciberdúvidas, agradeço as amáveis palavras.

Pergunta:

Em resposta à minha consulta anterior intitulada "A minha esperança é que...", a professora Maria Regina Rocha ensina que, na frase que apresentei, a oração após o verbo "ser" não tem valor de complemento nominal. Disso provém minha dúvida de hoje: qual é, então, a função sintática (ou valor sintático) das orações "de que haverá deflação" e "de que ele conte a verdade" nos períodos seguintes:

"A previsão de que haverá deflação não procede";
"A esperança de que ele conte a verdade há em todos"?

Se essas orações tiverem valor sintático de adjuntos adnominais (orações adjetivas), gostaria de saber qual é a relação expressa pela preposição "de".

O que me deixou confuso quanto à função sintática dessas orações foi o seguinte raciocínio:

Nas frases "Ele tem amor ao próximo" e "Ele tem esperança em Deus", aparecem os complementos nominais "ao próximo" e "em Deus", porque os antecedentes "amor" e "esperança" os exigem. Assim, se transcrevermos essas expressões, transformando-as em sujeitos, poderemos formar orações como:

"O amor ao próximo é um sentimento grandioso" e "A esperança em Deus fortalece o homem". Entretanto, se eu quiser substituir as expressões completivas nominais "ao próximo" e "em Deus" por orações desenvolvidas que tenham função sintática idêntica, haverá frases como:

"O amor a que ele pratique o bem foi crescendo" e "A esperança em que todos seremos felizes vive com o homem". Dessa formam, permanecem os complementos nominais, contudo, em forma de orações desenvolvidas. Agora, comparem-se "A esperança em que todos seremos felizes vive com o homem" e "A esperança de que todos seremos ...". Os períodos são idênticos, transmitem a mesma idéia! Por fav...

Resposta:

Analisemos de novo essa dúvida do dia 06/06/01: "A minha esperança é que..." .

Na frase que considerei correctamente construída – "A minha esperança é que ele conte a verdade." – disse, e confirmo, que a oração "que ele conte a verdade" é uma oração substantiva que, interpretou bem, não é complemento nominal.

Como referi na parte final dessa mesma resposta, se ao substantivo "esperança" estivesse ligada uma oração substantiva introduzida pela preposição "de", então essa oração desempenharia a função de complemento nominal (e não adjunto adnominal).

Na nossa língua, é possível traduzir a mesma ideia por meio de construções sintácticas diferentes. Quando se analisa sintacticamente uma frase, analisa-se aquela construção específica, e, nela, cada elemento tem a sua função. Se modificarmos a construção da frase, mesmo que a ideia permaneça a mesma, poderão alterar-se as funções sintácticas dos elementos que compõem a frase.

Consideremos, então, as duas primeiras frases que apresenta agora:

1. "A previsão de que haverá deflação não procede.";
2. "Há em todos a esperança de que ele conte a verdade." (frase com a ordem alterada, pois a que propôs não é usada).

Nestas frases, as orações "de que haverá deflação" e "de que ele conte a verdade" são orações completivas que desempenham a função de complementos nominais respectivamente de "a previsão" e "a esperança", por a essas palavras estarem ligadas pela preposição "de": o complemento nominal é sempre regido de preposição.

O complemento nominal completa, integra ou limita o sentido do substantivo, desempenhe este a função que desempenhar. Na primeira destas duas frases, o complemento nominal está a completar o sentido do sujeito (a pr...

Pergunta:

Sabemos que, em posição pós-verbal, o pronome não pode ser separado do verbo: (1) A Maria viu-o. *A Maria viu-ainda-o Contudo, em posição pré-verbal, a proibição não é absoluta, embora as circunstâncias sejam restritas. A pergunta que venho colocar refere-se às partículas que podem efectivamente ocorrer entre o verbo e o pronome, no discurso falado. Nos exemplos em (2), apresento algumas estruturas enfáticas e gostaria de saber se, com a entoação adequada, seria possível alterar a ordem comum das palavras e colocar algumas expressões entre o pronome e o verbo: (2) a. Eu acho que tu ainda me não disseste a verdade! b. Eu acho que tu me ainda não disseste a verdade! (3) a. Quantas vezes te eu disse para não fazeres isso? b. Quantas vezes te eu já disse para não fazeres isso? (4) a. Isso já eu lhe ontem disse! b. Isso já lhe eu ontem disse! (5) a. Eu já lhe realmente tentei explicar isso, mas ele é que não quis ouvir. b. Olha que já me realmente perguntaram isso uma vez! (6) a. Alguém me ainda ontem disse que os médicos iam fazer greve. b. Alguém ainda me ontem disse que os médicos iam fazer greve.

Obrigada, uma vez mais, pelo esclarecimento.

Resposta:

No discurso oral, na interacção verbal, a ênfase é muitas vezes dada pela deslocação das palavras no interior da frase. A mudança de determinado elemento na frase em relação à posição esperada vai evidenciá-lo, realçá-lo. Na resposta, vou utilizar a sua numeração: (2) a. – Poderá utilizar-se esta construção. O facto de o falante colocar o pronome "me" antes do advérbio de negação é revelador da importância que aquele dá ao que está a sentir, ao efeito que acção tem sobre si. (2) b. – Não será aceitável esta construção. Já está dado realce ao pronome pessoal com a anteposição em relação ao advérbio de negação. Ele não deverá antepor-se a dois advérbios. Antepor-se a um já é desvio suficiente em relação à posição esperada. O advérbio de tempo "ainda" ou fica onde está (ainda me não, ainda não me) ou é colocado imediatamente após a forma verbal (tu não me disseste ainda, acho que tu me não disseste ainda). A anteposição em relação ao verbo salienta essa circunstância temporal. (3) a. e b. – Poderá utilizar-se a construção (3)a.. A colocação do pronome que tem a função de complemento indirecto (te) antes do sujeito (eu) vai evidenciar a responsabilidade dessa 2.ª pessoa. Na frase (3)b., seria aceitável introduzir o advérbio "já" antes do verbo, construção normal das frases com este advérbio (eu já disse). No entanto, a construção com anteposição simultânea do advérbio e do pronome, pretendo realçar dois elementos diferentes (o pronome e a circunstância temporal) não é usual. Considero ser de realçar apenas um dos elementos. (4) a. e b. – Na escrita, utilizamos "Eu ontem disse-lhe." e "Isso já eu ontem lhe disse.". O advérbio "ontem" tem, pois, uma colocação normal antes do verbo, e o pronome "lhe" deve ficar em posição proclítica quando a frase se inicia por um sintagma que não o sujeito, como é o caso do meu segundo exemplo. A posição ainda mais anterior deste pronome pode aceitar-se, antecedendo o sujeito na frase b. e poderia aceitar-s...