Maria Regina Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostaria de saber qual é a forma correta: presentear-lhe ou lhe presentear?

Resposta:

Não poderei responder a uma pergunta sobre colocação de pronomes clíticos, se a forma verbal não estiver integrada numa frase, porque a colocação do pronome depende do contexto linguístico. Se quiser fazer o favor de apresentar frases ou expressões, talvez a possa esclarecer.

No entanto, deverei dizer que o verbo presentear pede complemento directo de pessoa e não indirecto: presentear alguém com alguma coisa. Neste caso, pede o ou a, e não lhe. Os pronomes pessoais, forma de complemento directo são: me, te, o, a, nos, vos, os, as, e não lhe.

Algumas frases de exemplo:

a) Ele presenteou-a com um livro.
b) Ela presenteou-o com um disco.
c) A irmã pensou em presenteá-la com uma caixa de charão.
d) O pai vai presenteá-lo com uma entrada para o carro. 

Nestes exemplos, o pronome é colocado depois da forma verbal (posição enclítica) porque são orações independentes, sem conjunções a iniciá-las, construídas em ordem directa, na afirmativa, com um sujeito que é um substantivo ou um pronome pessoal.

Alguns exemplos de frases em que o pronome precede a forma verbal:

a) Ele não a presenteou. (frase negativa);
b) Quando ele a presenteou com aquele livro, ela ficou comovida.
(oração subordinada temporal, introduzida por uma conjunção);
c) Quem o presenteou, foi o colega. (oração iniciada pelo pronome relativo).

Para ver os casos em que o pronome deve ser colocado antes do verbo (posição proclítica), poderá consultar, aqui, no Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, Colocação dos pronomes, outra vez, Se sente, Português europeu: colocação do pronome e Clítico.

Pergunta:

Ainda existe esse termo?
E em "Deixei-a sair.", o "a" tem qual função sintática? Que tipo de orações existe no período?

Resposta:

"Sujeito acusativo" é uma designação que provém do latim. As orações infinitivas que servem de complemento directo têm o sujeito no acusativo: Credo deum esse bonum = Creio que Deus é bom.
Em português, essas orações infinitivas podem corresponder a orações integrantes, completivas ou a orações infinitivas.
No caso que apresenta, o "a" desempenha a função de complemento directo de "deixei". A gramática tradicional, pela análise do conteúdo, atribui a este pronome "a" uma dupla função sintáctica, a de complemento directo do verbo regente ("deixei") e a de sujeito do infinitivo ("sair"), um sujeito, pois, no acusativo, de uma oração reduzida de infinitivo. Em gramáticas actuais, não se atribui essa dupla função: o "a" continua a ser complemento directo de "deixei", e o infinitivo "sair" desempenha o papel de predicativo desse complemento directo.
Esta construção ocorre com certos verbos que exprimem actuação, ordem, imposição (deixar, mandar, fazer) bem como alguns que exprimem percepções e sensações (ver, olhar, ouvir, sentir).

Pergunta:

Como se faz uma referência bibliográfica de um texto que esteja no rótulo de um produto? E a referência de um folheto de propaganda?

Resposta:

A referência bibliográfica de material não livro vem regulamentada na Norma Portuguesa n.º 405-2, 1998, do Instituto Português da Qualidade, intitulada Informação e documentação. Referências bibliográficas. Parte 2: Materiais não livro, completada com remissões para a n.º 405-1, de 1994.

Embora essas normas não contenham a informação específica sobre rótulo de produto ou folheto de propaganda, vou tentar fazer a adaptação.

1. Rótulo de produto

a) Entidade responsável, vírgula;
b) Marca, travessão;
c) Título;
d) Entre parênteses rectos: designação genérica do material (rótulo de garrafa, por exemplo). Se não se seguir complemento do título, ponto após os parênteses;
e) Complemento do título antecedido de dois pontos e seguido de ponto;
f) Local de produção ou embalagem, dois pontos, editor, vírgula, ano, ponto;
g) Descrição física: descrição específica, dois pontos, outras indicações físicas, ponto e vírgula, dimensões, ponto;
h) Série ou colecção, transcritos como aparecer no rótulo, ponto;
i) Notas, ou seja, informações suplementares sobre qualquer aspecto ainda a considerar, ponto;
j) Número normalizado: indica-se como vem expresso no rótulo e pode ser constituído por números e/ou letras ou nomes de etiquetas ou marcas.

2. Folheto de propaganda

a) Entidade responsável ou autor, travessão;
b) Título;
c) Entre parênteses rectos: designação genérica do folheto (desdobrável; documento icónico, por exemplo) Se não se seguir complemento do título, ponto após os parênteses;
d) Complemento do título antecedido de dois pontos e seguido de ponto;
e) Local de publicação, dois pontos, editor, vírgula, ano, ponto;
f) Descrição física: descrição específica, dois pontos, outras indicações físicas,...

Pergunta:

Desculpe por retomar essa questão anterior, mas apenas recentemente conheci este 'site', do qual gostei imenso e tem sido muito útil para uma imigrante brasileira em Portugal.

Embora concorde que as duas palavras tenham significado semelhante, como profissional de saúde, sempre vi o uso de "urgências" para situações mais graves do que "emergências", o que faz sentido, se pensarmos que urgência pode ser uma condição em que urge um atendimento imediato e emergência, é uma condição que emergiu, que surgiu de repente, mas não necessariamente tão grave...

Abraços.

Resposta:

As palavras sofrem evolução e enriquecimento de sentido por diversos motivos, um deles o da semelhança formal (som e escrita) com outras, outro o do emprego frequente no mesmo contexto com outra de sentido próximo, outras vezes ainda por influência de outras línguas em que o termo correspondente tem outro significado.

No caso que apresenta, originariamente estas palavras são diferentes. Como regista o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de António de Morais Silva (10.ª ed., 1949-1958), emergência é um sucesso fortuito, casual, um incidente, enquanto urgência designa a qualidade ou o carácter de algo que não se pode adiar, que é preciso fazer-se rapidamente, pressa, necessidade imediata. No dicionário actual de José Pedro Machado (1989), os termos aparecem com esse mesmo significado. Assim é que nos serviços hospitalares aqui em Portugal há uma secção denominada de "Urgências", na qual são atendidas situações que ocorrem imprevistamente (emergências).

O facto de o termo "emergência" ter vindo a ganhar um significado próximo de "urgência" advirá do facto de, muitas vezes, ao que ocorre imprevistamente ter de ser dada uma resposta urgente e de os dois termos aparecerem utilizados no mesmo contexto e serem formalmente e semanticamente semelhantes. Por outro lado, em inglês é o termo "emergency" que é utilizado para designar as urgências nos hospitais, aparecendo esse termo frequentemente em filmes que passam no circuito português. Para terminar, transcrevo os significados que a um e outro termo são dados no Dicionário de Termos Técnicos de Medicina e Saúde, de Luís Rey (1999):

Emergência: 1. Condição imprevisível ou inesperada que requer acção imediata. 2. Alteração súbita do estado de saúde ou grave complicação de uma doença que exige cuidados médicos urgentes.

Pergunta:

Não querendo, por teimosia, parecer obtuso, peço desculpa mais uma vez. Todavia, a resposta de F. V. Peixoto da Fonseca (em 21 de Maio de 2001), que pretendia ser um esclarecimento relativamente a "pré-requisitos" e "prerrequisitos", em nada clarificou (a mim e colegas docentes) as dúvidas presentes nas três questões levantadas. Seria possível responder-lhes objectiva e esclarecedoramente?

Grato pela atenção dispensada.

Resposta:

Três questões a responder:
1.ª Qual é a origem de prerrequisitos?
2.ª Prerrequisitos e pré-requisitos significam ou não o mesmo?
3.ª Como escrever actualmente?

A palavra prerrequisito aparece registada, como disse, no Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado (ed. de 1989), bem como na 10.ª edição do Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de António de Morais Silva (1949-1958), e na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, em todos eles com o mesmo significado. Transcrevo aqui o verbete da enciclopédia, por ser o mais completo:

Palavra empregada pelos filósofos escolásticos para designar certo género de condições que eles entendiam se requerem nas causas para poderem exercer o seu influxo causal, sem que por isso constituam propriamente a virtualidade que influi no ser para a produção do efeito. Concebem que, sem estes prerrequisitos, a causa se não acha proximamente expedita para actuar. Dividem os prerrequisitos em positivos e negativos, consistentes estes últimos na remoção dos impedimentos que ligam a virtude produtiva. Entre os prerrrequisitos incluíam o decreto divino aplicativo da omnipotência para concorrer com as causas segundas. (Cf. Suárez, Disputationes metaphysicae, disp. 18).»

Segundo o prof. doutor Mário Santiago de Carvalho, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra – cujo precioso contributo agradecemos –, o termo latino praerequisitum encontra-se, de facto, na obra de Francisco Suárez (1548-1617), Disputas Metafísicas, disputa n.º 18, secção 7, parágrafo 1. O termo ocorre, pois, n...