DÚVIDAS

Oração e complemento nominal

Em resposta à minha consulta anterior intitulada "A minha esperança é que...", a professora Maria Regina Rocha ensina que, na frase que apresentei, a oração após o verbo "ser" não tem valor de complemento nominal. Disso provém minha dúvida de hoje: qual é, então, a função sintática (ou valor sintático) das orações "de que haverá deflação" e "de que ele conte a verdade" nos períodos seguintes:

"A previsão de que haverá deflação não procede";
"A esperança de que ele conte a verdade há em todos"?

Se essas orações tiverem valor sintático de adjuntos adnominais (orações adjetivas), gostaria de saber qual é a relação expressa pela preposição "de".

O que me deixou confuso quanto à função sintática dessas orações foi o seguinte raciocínio:

Nas frases "Ele tem amor ao próximo" e "Ele tem esperança em Deus", aparecem os complementos nominais "ao próximo" e "em Deus", porque os antecedentes "amor" e "esperança" os exigem. Assim, se transcrevermos essas expressões, transformando-as em sujeitos, poderemos formar orações como:

"O amor ao próximo é um sentimento grandioso" e "A esperança em Deus fortalece o homem". Entretanto, se eu quiser substituir as expressões completivas nominais "ao próximo" e "em Deus" por orações desenvolvidas que tenham função sintática idêntica, haverá frases como:

"O amor a que ele pratique o bem foi crescendo" e "A esperança em que todos seremos felizes vive com o homem". Dessa formam, permanecem os complementos nominais, contudo, em forma de orações desenvolvidas. Agora, comparem-se "A esperança em que todos seremos felizes vive com o homem" e "A esperança de que todos seremos ...". Os períodos são idênticos, transmitem a mesma idéia! Por favor, ajudem-me.

P.S.: Gostaria de parabenizar o Ciberdúvidas pela prestimosidade com que tem assistido a seus consulentes e pelo brilhantismo com que cumpre sua proposta.

Resposta

Analisemos de novo essa dúvida do dia 06/06/01: "A minha esperança é que..." .

Na frase que considerei correctamente construída – "A minha esperança é que ele conte a verdade." – disse, e confirmo, que a oração "que ele conte a verdade" é uma oração substantiva que, interpretou bem, não é complemento nominal.

Como referi na parte final dessa mesma resposta, se ao substantivo "esperança" estivesse ligada uma oração substantiva introduzida pela preposição "de", então essa oração desempenharia a função de complemento nominal (e não adjunto adnominal).

Na nossa língua, é possível traduzir a mesma ideia por meio de construções sintácticas diferentes. Quando se analisa sintacticamente uma frase, analisa-se aquela construção específica, e, nela, cada elemento tem a sua função. Se modificarmos a construção da frase, mesmo que a ideia permaneça a mesma, poderão alterar-se as funções sintácticas dos elementos que compõem a frase.

Consideremos, então, as duas primeiras frases que apresenta agora:

1. "A previsão de que haverá deflação não procede.";
2. "Há em todos a esperança de que ele conte a verdade." (frase com a ordem alterada, pois a que propôs não é usada).

Nestas frases, as orações "de que haverá deflação" e "de que ele conte a verdade" são orações completivas que desempenham a função de complementos nominais respectivamente de "a previsão" e "a esperança", por a essas palavras estarem ligadas pela preposição "de": o complemento nominal é sempre regido de preposição.

O complemento nominal completa, integra ou limita o sentido do substantivo, desempenhe este a função que desempenhar. Na primeira destas duas frases, o complemento nominal está a completar o sentido do sujeito (a previsão); na segunda, está a completar o sentido do complemento directo (a esperança).

O raciocínio que faz a respeito dos restantes exemplos conduz a esta conclusão, mas as orações desenvolvidas que tentou criar não são efectivamente realizações naturais da língua, não estão sintacticamente correctas, pelo que não é possível a sua análise. Repito o que disse acima: a análise sintáctica incide, antes de mais, sobre uma determinada construção, não sobre uma determinada ideia.

Em nome de Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, agradeço as suas gentis palavras. É muito gratificante o apreço dos nossos consulentes.

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa