Maria Eugénia Alves - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Maria Eugénia Alves
Maria Eugénia Alves
22K

Professora portuguesa, licenciada em Filologia Românica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, com tese de mestrado sobre Eugénio de Andrade, na Universidade de Toulouse; classificadora das provas de exame nacional de Português, no Ensino Secundário. 

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Nos casos de frases complexas com orações coordenadas e subordinadas, como classificamos a oração principal? Por exemplo, na frase «Quando te vi, apaixonei-me imediatamente, mas só to disse mais tarde.» – a oração principal «apaixonei-me imediatamente» é classificada como oração coordenada ou oração subordinante?

Muito grata.

Resposta:

«A coordenação partilha com a subordinação a propriedade de formar unidades complexas», Maria Helena Mira Mateus et alii, 2003, Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Editorial Caminho, pág. 552.

Na frase «Quando te vi, apaixonei-me imediatamente, mas só to disse mais tarde.», a oração «apaixonei-me imediatamente» é simultaneamente:

1. oração subordinante da subordinada temporal «quando te vi»

2. oração coordenada¹ com a oração coordenada adversativa «mas só to disse mais tarde»  

No mesmo período pode, pois, haver orações subordinadas e orações coordenadas, que se relacionam entre si. 

 

¹ Segundo o Dicionário Terminológico, a oração coordenada é: «Oração contida numa frase complexa, que não mantém uma relação de subordinação sintáctica com a(s) frase(s) ou oração(ões) com que se combina, distinguindo-se, tipicamente, das orações subordinadas por não poder ser anteposta.»

Pergunta:

Gostaria, por favor, que me pudessem esclarecer o seguinte: deve dizer-se «Quaisquer tipos de dúvidas» ou «Quaisquer tipo de dúvidas»?

Agradeço, desde já, a atenção dispensada.

Resposta:

A opção «Quaisquer tipos de dúvidas», entre as que apresenta, é a gramaticalmente válida, pois faz a concordância no plural entre os dois termos da locução (pronome +nome). 

No entanto, aconselha-se o uso do singular no emprego da locução, isto é, «qualquer tipo de ...». 

Tipo é um nome que, sendo singular, reveste uma carga plural, uma vez que significa «um conjunto de traços ou características comuns a uma classe de seres ou coisas»¹. Assim sendo, torna-se redundante usá-lo no plural, embora não seja incorreto, como se disse no início da resposta.  

¹ in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa

Pergunta:

A expressão «Ah, tá!» é uma locução interjetiva ou são duas interjeições separadas? 

Obrigado mais uma vez.

Resposta:

Na Moderna Gramática Portuguesa, de Evanildo Bechara, a interjeição ah enquadra-se quer na situação de admiração, quer de alívio, conforme os estados emotivos que traduz em contexto.

Para Maria Regina RochaGramática de Português, p. 86, também exprime espanto, admiração, surpresa, alegria, entusiasmo, aplauso, aprovação, cansaço, desapontamento, dor, tristeza, desalento, isto é, a atitude espontânea do falante. 

No entanto, não é interjeição, é antes a contração de está, na 3ª pessoa do singular, do presente do indicativo do verbo estar.

Semanticamente, é usada para assentir, quando se diz , quer dizer-se está bem. Foi-se retirando da locução todo o acessório, deixando apenas o essencial que, mesmo na sua forma mais ínfima, consistentemente, dá validade ao sentido. A queda da sílaba inicial es- (uma aférese¹) é resultante da dicção própria do discurso oral que, sendo mais imediata/veloz, gera este tipo de fenómenos fonéticos.

Assim, «Ah, tá!» não é uma locução interjetiva

Pergunta:

Em 12/12/2008, a RTP noticiava o seguinte: «Guilherme Silva, deputado do PSD e também vice-presidente da Assembleia da República, afirmou em entrevista à jornalista Maria Flor Pedroso, que a falta de deputados esta manhã no Parlamento, ausências que levaram ao cancelamento da reunião, se trata de uma situação inadmissível e inaceitável.» 

Na generalidade, os dicionários da língua portuguesa dão os adjetivos «inadmissível» e «inaceitável» como termos sinónimos. No entanto, a expressão frequentemente ouvida, «inadmissível e inaceitável», parece fazer transparecer que os dois termos não apenas se reforçam, mas que também se completam, pois terão significados próximos, embora diferentes. Se for o caso, como explicar a sinonímia que os dicionários lhes atribuem? Não sendo, estará essa expressão incorreta?

Resposta:

Consultando qualquer dicionário, os dois termos, como diz, são sinónimos.

Veja-se, por exemplo, o Dicionário Houaiss que, para inadmissível, regista «não admissível, inaceitável»; e, para inaceitável, «que não se pode ou deve aceitar, não aceitável, inadmissível».

Os dois termos, na pesquisa efetuada, têm, pois, correspondência sinonímica, pelo que a expressão «inadmissível e inaceitável» apresenta contornos pleonásticos: os dois adjetivos têm a função de reiterarem a ideia, não trazendo qualquer complementaridade entre si, antes mostrando uma repetição excessiva que é conferida à frase. É claramente redundante a dupla adjetival em questão.

No entanto, não é errado o seu emprego, uma vez que o uso do pleonasmo é aceitável, em casos cujo propósito é enfatizar ou intensificar o que se diz, reforçando um conceito, como é o caso do exemplo citado na pergunta.

Cf. 10 pleonasmos comuns que deve evitar 

Pergunta:

Tenho ouvido e lido cada vez mais a expressão o porquê, que sempre achei estar errada, por se estar a pôr um artigo definido num advérbio interrogativo. No entanto, soube recentemente que se começa a defender o uso de porquê como substantivo, justificando o artigo. Isto é mesmo assim? É possível usar advérbios interrogativos como substantivos? Posso passar a dizer o onde ou o quando ou o como ou, claro, o porquê?

Muito grato pela atenção e muitos parabéns por esta plataforma e pelo excelente trabalho desenvolvido. 

Resposta:

 Porquê pertence a duas classes de palavras: advérbio¹ e nome masculino. Assim o regista, por exemplo, o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa

« .advérbio 

I. Tem valor semântico causativo em frases interrogativas diretas, sendo parafraseável por 'por que motivo', 'por que razão'.

1. Usa-se isoladamente, sem outro constituinte na frase – Não estou interessado. – Porquê?

2. Usa-se com frase infinitiva. Porquê complicar tanto as coisas mais simples? 

II. Tem valor semântico causativo em frases interrogativas indiretas, depois de verbos declarativos, sendo parafraseável por 'por que motivo', 'por que razão'.

1. Usa-se  da frase interrogativa indireta como constituinte único. Estava alterado, não sei porquê. Devolveu as mercadorias sem indicar porquê.

2. Usa-se com frase infinitiva. Não percebo porquê insistires tanto. 

.substantivo masculino

O que está na origem ou explica um acontecimento, um comportamento  = CAUSA, MOTIVO, RAZÃO. Não te sei dizer o porquê de uma reação tão violenta.» 

Assim, respondendo à questão, o termo é perfeitamente válido, enquanto nome comum (Quero saber o porquê de tanto entusiasmo).

O que terá causado a estranheza do consulente será eventualmente o facto de a palavra, enquanto nome/substantivo, ter passado recentemente a ter um maior uso, em vez dos seus sinónimos mo...