Maria Eugénia Alves - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Maria Eugénia Alves
Maria Eugénia Alves
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Professora portuguesa, licenciada em Filologia Românica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, com tese de mestrado sobre Eugénio de Andrade, na Universidade de Toulouse; classificadora das provas de exame nacional de Português, no Ensino Secundário. 

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Muito obrigada pelo magnífico trabalho que levam a cabo.

Gostaria de saber como se deve substituir o itálico e o negrito num texto escrito à mão.

Li algures que se pode substituir o itálico pelo uso de aspas, dado que o objetivo é o mesmo: destacar algo. Porém, tenho algum receio de que alguns textos fiquem com demasiadas aspas porque estas serão usadas para citar, para dar exemplos e ainda para indicar o sentido de algumas palavras. Por exemplo: 

1) «São incompatíveis com operadores aspectuais como parar (de) ou acabar (de).»

2) «A situação descrita pela oração o João abriu a porta precede necessariamente a entrada da Maria.»

3) «Se for o tipo a ser avaliado, usa-se ser (cf. Bacalhau à Brás é muito bom).»

4) «Neste aspeto, ficar é praticamente sinónimo de permanecer.»

No caso de referências bibliográficas, vários estilos bibliográficos usam o negrito e o itálico. Como os deveríamos usar num texto escrito à mão?

Por último, gostaria de saber como deveria rasurar algumas partes de um documento (palavras ou frases), quando estiver a escrever à mão. Há normas?

Muito obrigada pelos esclarecimentos.

Resposta:

Para escrever manualmente o que estaria em itálico num texto digitado, pode substituir o itálico pelo uso de aspas, dado que o objetivo é o mesmo: destacar algo, como diz. O texto pode ficar sobrecarregado, uma vez que elas também se usam para outras funções, para citar, para dar exemplos e ainda para indicar o sentido de algumas palavras.

Vamos responder ao que solicita, embora com risco, pois não temos nas frases acesso ao itálico ou negrito, que supomos existir no original:

1) São incompatíveis com operadores aspetuais como «parar (de)» ou «acabar (de)».

2) A situação descrita pela oração «o João abriu a porta» precede necessariamente «a entrada da Maria».

3) Se for o tipo a ser avaliado, usa-se "ser" (cf. Bacalhau à Brás é muito bom).

4) Neste aspeto, «ficar» é praticamente sinónimo de «permanecer». 

No caso das referências bibliográficas, o uso é sublinhar os títulos de livros, revistas, e utilizar as aspas para referir títulos de poemas ou de capítulos, artigos de revistas...

Para rasurar partes de um documento (palavras ou frases), na escrita manual, a norma é fazer um traço horizontal por cima do que quer eliminar. No entanto, se o documento manuscrito é para entregar a alguém, deve ser passado a limpo,  se for possível, depois de todas as correções feitas.

Pergunta:

Segundo Ferrarezi Junior (2008, p. 157)*, «Nenhuma língua utiliza duas palavras ou expressões para dizer a mesmíssima coisa. [...] Por menor que seja a mudança, ela sempre ocorre quando trocamos uma palavra ou expressão por outra.» Partindo desse pressuposto, comecei a pensar sobre a existência ou não de sinonímia perfeita entre as locuções conjuntivas. Nas sentenças a seguir, por exemplo, todas as conjunções passam uma ideia de tempo; porém, parece-me que existe uma gradação de tempestividade (quão rápida a ação irá ocorrer).

O contexto é o seguinte: ao ser questionado sobre a data em que o edital de um concurso seria publicado, o governador afirmou: [1] «Quando tivermos a data correta, divulgaremos nos meios de comunicação.» [2] «Logo que tivermos a data correta, divulgaremos nos meios de comunicação.» [3] «Tão logo tivermos a data correta, divulgaremos nos meios de comunicação.» [4] «Assim que tivermos a data correta, divulgaremos nos meios de comunicação.» Essa hipótese está correta? Existiria uma gradação entre essas conjunções e locuções conjuntivas (não necessariamente nessa ordem)?

* Ferrarezi Junior, C. Semântica para a Educação Básica. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

Resposta:

    Não se trata de uma questão de correção, pois estamos a falar de semântica e de particularidades interpretativas, obrigatoriamente subjetivas. Partindo dessa perspectiva, o assunto que trouxe à discussão pode ter várias interpretações.

     No entanto, estamos de acordo com a citação inicial de Ferrarezi Junior, pois não existe sinonímia perfeita, encerrando sempre cada palavra uma potencialidade que a outra não tem.

     Assim, nas frases que citou, com as conjunções/locuções temporais, conseguimos distinguir momentos diferentes, uns mais próximos, outros mais afastados, estabelecendo um processo gradativo evidente.

      Do momento mais imediato ao mais afastado, poderemos listar as frases deste modo:

1. «Tão logo tivermos a data correta, divulgaremos nos meios de comunicação.»

2. «Logo que tivermos a data correta, divulgaremos nos meios de comunicação.»

3.  «Assim que tivermos a data correta, divulgaremos nos meios de comunicação.»

4.  «Quando tivermos a data correta, divulgaremos nos meios de comunicação.» 

      Conseguimos ver um momento de urgência, de rapidez em tão logo, diferente de quando, que encerra um momento mais alargado no tempo. As 2 e 3 são quase idênticas, um momento fugaz as separa, mas conseguem, ainda assim, uma subtileza que as distingue.

     Tratando...

Pergunta:

Peço a vossa ajuda no sentido de identificação do antecedente do possessivo que consta na última linha do texto que se segue. «Os perfis biográficos dos heterónimos, cuidadosamente traçados pelo poeta, pertencem ao foro da ficção, mas ficção onde há ainda zonas penumbrosas, na sequência da leitura dos textos de cada um deles e na decifração dos enigmas da família literária em que todos eles se inserem juntamente com o seu criador.»

Obrigada. 

Resposta:

A citação é retirada da recensão crítica de O Ano da Morte de Ricardo Reis¹, in Revista Colóquio/Letras. Notas e comentários, n.º 88, novembro de 1985. 

O antecedente do possessivo seu é a locução «todos eles». Esta locução refere-se aos heterónimos pessoanos, que se inserem numa família literária juntamente com o seu criador, Fernando Pessoa.  

¹Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago, 1984

Pergunta:

Gostaria de saber se, nos versos «Quando deu fim à longa narração/Dos altos feitos, grandes e subidos», o constituinte «Dos altos feitos, grandes e subidos» desempenha a função sintática de complemento do nome ou de modificador apositivo do nome e porquê.

Obrigada.

Resposta:

     A passagem situa-se a meio d' Os Lusíadas, quando Vasco da Gama acaba de contar a grandiosa História de Portugal ao rei de Melinde, o que leva o poeta a dizer orgulhosamente: «Quando deu fim à longa narração/Dos altos feitos, grandes e subidos» [Os Lusíadas, de Luís de Camões, canto V, est. 90] 

     «Dos altos feitos, grandes e subidos» é o complemento do nome, narração, em virtude de este derivar de um verbo. No entanto, apresenta-se coordenado com o segmento isolado por vírgula, grandes e subidos, que desempenha a função de modificador apositivo do nome.

Pergunta:

Gostaria de saber se o verbo «escarnecer» leva ou não a preposição «de». Os dicionários que consultei, apesar de unânimes em anotá-lo como sinônimo de «fazer escárnio (de)» ou «zombar (de)», não foram claros em relação ao uso da referida preposição. Se o contexto no qual pensei for de alguma ajuda, tinha em mente uma frase semelhante a «Quando tropecei, as pessoas, rindo-se, escarneceram de mim» (ou seria «escarneceram-me»?). Há, para este caso, uma forma preferível? Se ambas forem válidas, há alguma diferença de sentido?

Grato pela atenção.

Resposta:

Segundo o Dicionário de Verbos Portugueses, dir. Malaca Casteleiro, escarnecer é:

1. transitivo direto e significa, nesta aceção, tratar com escárnio: «Um dos grupos de trabalho escarneceu o outro»

2. transitivo indireto: «O jovem escarnecera da senhora idosa»

3. intransitivo: «Ele gosta muito de escarnecer».

 Por sua vez, o Dicionário Houaiss assinala-o como transitivo direto e transitivo indireto: tratar alguém com escárnio, com zombaria

Ex.: «Os seus próprios amigos escarneceram-no».

«Escarnecia do irmão com gritos debochados». 

Finalmente, interessa verificar que, para responder à pergunta formulada, o verbo pode reger a preposição de: escarnecer de.

Escarnecer alguém ou de alguém? Depende: Escarnecer admite, facultativamente, complemento direto ou indireto.