Maria Eugénia Alves - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Maria Eugénia Alves
Maria Eugénia Alves
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Professora portuguesa, licenciada em Filologia Românica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, com tese de mestrado sobre Eugénio de Andrade, na Universidade de Toulouse; classificadora das provas de exame nacional de Português, no Ensino Secundário. 

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Numa resposta a uma consulente, a propósito da distinção entre palavra simples e palavra complexa, o dr. Carlos Rocha considera que palavras formadas com sufixos de flexão, que marcam o grau aumentativo ou diminutivo, associados a uma forma de base ou radical, são consideradas complexas. Contudo, num recurso de apoio a um manual de Português do 7.º ano, essa questão não é clara. Os autores consideram que as palavras: casinha, altíssimo, dedão e giraça são simples e as palavras: casebre, caixote e caloraça são complexas.

Podem esclarecer-me?

Resposta:

   Segundo o Dicionário Terminológico, a palavra simples é formada por um único radical, sem afixos derivacionais, mas podendo exibir afixos¹ flexionais. Ex.: casas. → casa + s (flexão do plural).

   Ou seja, é formada apenas por um só radical (constituinte morfológico de base) a que se podem associar o índice temático e o sufixo de flexão. Ex: cabelos → cabel (radical) + o (índice temático) + s (sufixo de flexão de plural)

Os nomes e adjetivos flexionam em género, número e grau; os advérbios apenas em grau e os verbos em pessoa, número, tempo e modo.

Palavras simples e seus constituintes:

casa → cas (radical) + -a (índice temático) + -s (sufixo de flexão)  

altíssimo → alt (radical) + -íssim (sufixo de flexão) + -o (índice temático) 

dedão → ded (radical) + -ão (sufixo de flexão)

giraça → gir (radical) + -aç (sufixo de flexão) + -a (índice temático) *

 

     A palavra complexa é formada por derivação ou composição, ...

Pergunta:

Na frase «Perguntas há-as para todos os gostos», podemos considerar o pronome átono "as" como complemento direto do verbo haver? E nesse caso, o verbo é transitivo?

Resposta:

      Neste caso, estamos perante o emprego do verbo haver, enquanto verbo impessoal, tomando o sentido de «existir».

     Deste modo, haver não tem sujeito e é transitivo direto, sendo o seu objeto o nome da coisa existente ou, a substituí-lo, o pronome pessoal o (a, lo, la): «Há tantas folhas pelas calçadas!» («Há-as pelas calçadas!»).

      Outros exemplos com o verbo haver e o complemento representado por pronome:

      «Houve inquéritos nos distritos.» – «Houve-os.» 

      «Havia intrigas políticas.» – «Havia-as

      «Há soluções para a cidade.» – «Há-as.» 

      Quando se quer chamar a atenção para o complemento direto que precede o verbo, costuma-se repeti-lo, designando-se por complemento direto pleonástico, em cuja constituição entra sempre um pronome pessoal átono:

«Palavras cria-as o tempo e o tempo as mata», José Cardoso Pires, O Delfim...

Pergunta:

No exame de Português de 9.º ano deste ano, Época Especial, a segunda pergunta do grupo IV pedia que se identificassem todas as frases em que o elemento sublinhado desempenhava a função sintática de sujeito. Era considerada correta a frase «Na escola, estuda-se muito o livro desse escritor.», com a expressão «o livro desse escritor» sublinhada. É inequívoca esta classificação ou poderíamos entender que o sujeito da frase é subentendido?

Obrigada.

Resposta:

      «Na escola, estuda-se muito o livro desse escritor.» é o caso de uma passiva pronominal ou passiva reflexa, em que «O livro desse escritor» é o sujeito da frase: se começarmos a frase pelo referido segmento, «O livro desse escritor estuda-se muito na escola.», verificamos que o verbo pode ser substituído pela forma passiva, «é estudado», o que nos leva  a concluir que este «se» é uma partícula apassivante, ou pronome apassivador, segundo Celso Cunha e Lindley Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo , pág. 308. (Exemplo: «Ouve-se ainda o toque a rebate.» Bernardo Santareno, A Traição do Padre Martinho

         É de notar que na voz passiva pronominal, a língua moderna omite sempre o agente. («Aumentou-se o salário dos gráficos.»)

Pergunta:

Tendo por base a frase «Seja bem-vindo ao mundo das artes, ao mundo do cinema.», pede-se que o aluno construa um campo lexical, apresentando vocábulos do domínio de «artes». Neste sentido, aceitei vocábulos como literatura, cinema, teatro....

A minha dúvida é a seguinte: poderei aceitar palavras como artista, desenho, pincel, tela, tinta, ator, como exemplos de vocábulos pertencentes ao campo lexical de «artes»?

Agradeço antecipadamente a vossa preciosa ajuda.

Resposta:

Comecemps por relembrar a diferença entre campo semântico e campo lexical, socorrendo-nos do que diz a Gramática de Português, de Vasco Moreira e Hilário Pimenta:

«O campo semântico é o conjunto de sentidos que uma palavra pode atualizar em contextos diferentes ou um conjunto de usos possíveis para uma unidade lexical.

O campo semântico abrange toda a área de significação de uma palavra ou de um grupo de palavras.

Exemplo: mãe de família, mãe solteira, mãe-galinha, mãe- pátria, mãe-d'água, mãe de aluguer, terra-mãe.»

«O campo lexical é o conjunto de palavras que, pelo seu significado ou relações de sentido, se associam num determinado domínio conceptual. Isto é, partilham entre si uma zona de significação comum e estão em oposição imediata umas com as outras. Um campo lexical é constituído por lexemas da mesma classe de palavras.

Exemplo: 

Campo lexical de educação: escola, professor, aluno, aula, disciplina,ensino.»

 Assim, a consulente tem razão em aceitar palavras como artista, desenho, pincel, tela, tinta, ator, como conjunto do campo lexical de «artes».

Pergunta:

Gostaria de saber qual a abreviatura para a palavra linhas: ls e/ou ll?

Obrigada.

Resposta:

     Este assunto  já foi amplamente tratado no Ciberdúvidas, por exemplo, aqui e aqui.

     No entanto, como a dúvida da consulente é muito precisa, vamos abordar a questão, de modo a que lhe seja o mais útil possível.

      Segundo o Dicionário Priberam, l. é abreviatura * de linha e faz o plural ll.

     Aproveita-se a questão colocada para relembrarmos as abreviaturas mais usuais e universalmente entendidas, de natureza bibliográfica, vistas em Saber Escrever Saber Falar, Edite Estrela, Maria Almira Soares e Maria José Leitão, Edições Dom Quixote + Prontuário – Erros Corrigidos de Português, de D´Silvas Filho, Texto Editora (5.ª edição).

 

A. / A A.– autor / autores

cf. – confrontar

cit. – citação

etc. – et caete...